quinta-feira, 31 de maio de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS DE TOMAR DA ÉPOCA DA 

EXPANSÃO

ALGUMAS PERSPECTIVAS PARA O FUTURO

Carlos Rodarte Veloso
(“O Templário”, 31 de Maio de 2018)

Conclusão  de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

               Outras construções da época que acabamos de examinar poderiam ser “adivinhadas”, pois são muitos os vestígios arquitectónicos armazenados no Claustro da Lavagem do Convento de Cristo (ver imagens), identificados estilisticamente com o período da Expansão mas muitos deles carentes de qualquer identificação com os edifícios concretos a que pertenceram ou, no caso de testemunhos lapidares epigráficos ou iconográficos, da indicação do seu local original.



               Do mesmo modo, são frequentemente achados, em obras efectuadas em casas do Centro Histórico, não apenas no sítio de obras atrás referidas e hoje desaparecidas, elementos arquitectónicos de certa dimensão ou qualidade artística, que fazem pensar num ambiente de alguma distinção. É muito possível que venha a ser achada documentação que supra as evidentes lacunas existentes, pelo menos relativamente às casas de maior importância, decerto averbadas em textos coevos relativos a obras, heranças, doações…
               Dificuldade acrescida para o estudo dos edifícios civis é o grande número de intervenções por eles sofridas ao longo dos séculos ou a sua substituição pura e simples por outros imóveis, eles por sua vez substituídos, quase sempre com notória perda de qualidade, por novos edifícios cada vez mais incaracterísticos, cada vez mais pobres, apesar dos sonhos megalómanos dos seus proprietários…    
               No entanto, em certos casos, mesmo verificando-se essa perda de qualidade, há que defender da destruição o “novo” edifício, desde que detentor de uma história e de uma estética reconhecidas como Património, sob pena de toda esta degradação só terminar… no zero absoluto!
               Factor muito positivo é o crescente número de investigadores do passado de Tomar, que têm desde sempre manifestado o maior interesse pela criação dum Museu da Cidade, onde todo o material acumulado no Claustro da Lavagem venha a ser devidamente organizado e exposto de forma condigna.
               Há, assim, razões para um certo optimismo, sendo um passo importante a dar, a qualificação do Centro Histórico de Tomar como Património da Humanidade, projecto esse que conta com um razoável número de vontades, embora esta problemática tenha oscilações na adesão por parte dos agentes culturais.
               Ao articular com este projecto o da dinamização do Turismo Cultural, — actividade que se pode revelar muito compensadora em termos económicos, tanto directa como indirectamente —, e o da Conservação e Restauro, será possível suprir largamente os gastos com a necessária intervenção a todos os níveis.
               É assim fundamental o trabalho de investigação na área histórico-cultural, o qual deve frutificar em obras de divulgação para todos os níveis de interesse e de conhecimentos, desde o científico ao mais generalista, desde o ensaio ao simples folheto turístico.
               O espólio arquitectónico e escultórico sobrevivente em Tomar, mesmo desligado da obra global de que fazia parte, bem como o testemunho deixada por diversos investigadores sobre os mesmos edifícios desaparecidos, bem poderão integra-se no conceito de”Cripro-História da Arte” criado por Vítor Serrão (A Cripto História da Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, Livros Horizonte, Lisboa, 2001), nomeadamente no que se refere à “vertente da reconstituição, ou seja, a análise do fragmento de um conjunto artístico nos nossos dias parcialmente inexistente, a fim de desvendar a sua possível estrutura inicial”.
               Não sendo o remédio milagroso para a salvaguarda da identidade nacional num mundo cada vez mais globalizado e normalizado, não me restam dúvidas de que os passos apontados poderão constituir importante contributo para uma acção pedagógica centrada no Património.

 NOTA: Este texto e respectivo título estão modificados em relação à publicação n’ O Templário, e a Bibliografia não consta da mesma, devido à sua extensão.

FOTOS: C.Veloso

BIBLIOGRAFIA

ALARCÃO, Jorge de — Introdução ao estudo da História e Património Locais , Universidade de Coimbra, 1982.
O domínio romano em Portugal, Publicações Europa-América, Lisboa, 1988.
ALVIM, João — “As Casas Nobres  da Rua do Pé da Costa, Anais da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Vol. III, Junho de 1952, pp. 23-30 e Dezembro de 1952, pp. 39-43.
Anais da União dos Monumentos da Ordem de Cristo  [referindo elementos arquitectónicos dispersos recolhidos pela União ou por ela dispensados para reutilização]: de Setembro de 1918 a 1968.
AZEVEDO, Carlos de  Solares Portugueses (introdução ao estudo da casa nobre), Livros Horizonte, 1969.
BARREIRA, João — “A Habitação em Portugal”, Notas sobre Portugal, Vol.II, Lisboa, 1908, pp. 146-178.
BATATA, Carlos – As Origens de Tomar. Carta Arqueológica do Concelho, Tomar, 1997.
BINNEY, Marcus — Casas Nobres de Portugal, com “Introdução” de Manuel Pedro Rio-Carvalho, Difel, Lisboa, 1987.
CHUECA GOITIA, Fernando — Breve História do Urbanismo, Editorial Presença, Lisboa, 1982.
FERREIRA, Maria João; DUARTE, Teresa — “O urbanismo medieval da cidade de Tomar”, Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, Março de 1992, pp. 123-149.
FIGUEIREDO E SILVA, Eugénio Sobreiro de — “Os Cubos”, União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Vol.II, Dezembro, 1947, pp. 135-145.
— “Demolição de casa quinhentista de Tomar”, União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Vol.III, Junho de 1956, pp. 154-157.
— “Os Estaus”, União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, Vol.IV, Junho de 1961, pp. 45-46 e 49-54.
GARCIA Y BELLIDO, Antonio — Problemas sociales del urbanismo en el area mediterranea durante la Edad Antigua , Editora Nauka, Moscú, 1966.
Urbanistica de las grandes ciudades del Mundo Antiguo, Madrid, 1966.
GODINHO, António Carlos — “Janelas e Portais”, Cidade de Tomar, 16 de Março de 1990,  p. 9.
— “Janelas e Portais de Tomar”, Estórias e História de Tomar, Tomar, Maio de 1990, pp. 27-33.
GRIMAL, Pierre — Les villes romaines, PUF, Paris, 1977.
GUIMARÃES, Vieira — Thomar-Santa Iria, Lisboa, 1927, pp. 266-273, 274 e 276.
HAUPT, Albrecht — A Arquitectura do  Renascimento em Portugal, Presença, Lisboa, 1986, pp. 194 e 197-198 (gravuras).
HOMO, Léon — Rome impériale et l'urbanisme dans l'Antiquité, Ed.Albin Michel, Paris, 1971.
MARKL, Dagoberto — História da Arte em Portugal. VI - O Renascimento, Alfa, Lisboa, 1986, pp. 52-58.
MELA, Romualdo — “Ruas de Tomar e a sua Toponímia”, Boletim Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar: — Vol. 1, 1 de Março de 1981, pp. 69, 71, 80.— Vol. 3, 1 de Março de 1982, p. 96.— Vol. 4, 20 de Outubro de 1982, pp. 144 e 147-149.— Vol. 5, 1 de Março de 1983, pp. 59, 60 e 64-65.— Vols. 8-9, 1 de Março de 1985, pp. 46-47.— Vol. 10, 1 de Março de 1988, p. 41.
MESQUITA, José Carlos Vilhena — A viagem uma outra forma de turismo na perspectiva do conhecimento histórico, Universidade do Algarve, Faro, 1986.
MONTALVÃO, António — "Permanece a urbanística de Aquae Flaviae?", Conimbriga, Coimbra, 1972, Vol.XI, pp.35-39 e mapa 40-41.
PONTE, Salete da — Inserção do Forum de Sellium no tecido urbano de Tomar, Tomar, s/d
Sellium, Tomar Romana , Centro de Estudos de Arte e Arqueologia da Escola Superior de Tecnologia, Tomar, 1989.
— “O Rio, as Rodas e os Açudes”, Estórias e História de Tomar, Secretariado do VIII Encontro de Professores de História da Zona Centro, Tomar, Maio de 1990, pp.21-26.
— "Tomar e o seu Território - Problemática e Perspectivas Futuras", Actas do Seminário O Espaço Rural na Lusitânia. Tomar e o seu Território, 17-19 de Março de 1989, Tomar, 1992, pp. 25-29.
Interfaces Culturais em Tomar Cidade, Tomar, 29 de Abril de 2012
PONTE, Salete da; FERNANDES, Luís — ”Sellium Romana: sua História”, Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, Nº 19, Outubro, 1993, pp. 163-189.
PONTE, Maria La-Salete da; SILVA, Pedro Lourenço da — “Abordagem arqueo-histórica dos Paços do Castelo dos Templários (sondagem 1985), Boletim Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar, Vols. 11-12, 1 de Março de 1989, pp. 55-76.
PONTE, Salete da; Veloso, Carlos (coordenadores) – Imagens de Tomar. Roteiro Histórico, Secretariado do  VIII  Encontro de Professores de História da Zona Centro, Tomar, Maio de 1990, pp. 25 e 53-54.
ROSA, Amorim — De Tomar, Tomar, 1960, pp. 43-44, 47.
Anais do Município de Tomar. 1581-1700, Tomar, 1969, p. 16; 1454-1580, Tomar, 1971, pp. 76-77, 178 e 318-320.
História de Tomar, Vol. 1, Tomar, (2ª edição)1988, pp. 76, 81-84, 86-87, 89, 97-98, 113, 123-131, 151-156; Vol. 2, Assembleia Distrital de Santarém, 1982, pp. 125-126.
ROSA, José Inácio da Costa — “Nascimento e evolução urbana de Tomar até ao Infante D. Henrique”, Boletim Cultural e Informativo da Câmara Municipal de Tomar, Vol. 2, 20 de Outubro de 1981, pp. 50-51 e extra-texto 48/49.
— “Evolução da fisionomia urbana, arquitectónica e construtiva de Tomar”, Tomar -   Perspectivas, Tomar, 1991, pp. 57-97 e 90.
ROSENEAU, Helen — A Cidade Ideal - Evolução arquitectónica na Europa,  Editorial Presença, Lisboa, 1988.
SEQUEIRA, Gustavo Matos — Palácios e Solares Portugueses, Lello & Irmão, Porto, s/d.
SERRÃO, Vítor, A Cripto-História da Arte. Análise de Obras de Arte Inexistentes, Livros Horizonte. Lisboa, 2001.
SILVA, José Custódio Vieira da — “A morada privilegiada - o Paço”, O Fascínio do Fim”, Livros Horizonte, Lisboa, 1997, pp. 23-43.
SOUSA, João Maria de — Noticia descriptiva e historica da cidade de Thomar, Tomar, 1903, pp. 62-64.
Tomar-Portugal, Câmara Municipal de Tomar, Gabinete de Educação e Cultura, 1982.
VELOSO, Carlos — “O Turismo e o Património”, crónica radiodifundida in Janela do Capítulo, Rádio Cidade de Tomar, Junho de 1992.
— “Palácios do Renascimento em Tomar: vestígios de um património perdido”, comunicação ao !V Curso de Verão de História da Arte, coordenado pelo Prof. Doutor Pedro Dias, Universidade de Coimbra, Setembro de 1992.
— “O Turismo e o Património”, Cidade de Tomar, 13 de Novembro de 1992.
— “Cidade Romana e Urbanismo no Mundo Antigo”, Boletim Cultural da Câmara Municipal de Tomar, Nº 19, Outubro, 1993, pp.133-153.
— “Cultura turística ou Turismo Cultural?”, Cidade de Tomar, 19 de Março de 1998.
— “Museus Etnográficos: o Espírito do Lugar”, Cidade de Tomar, 17 de Março de 1995.
Santa Iria na Arte e no Mito, Empresa Editora Cidade de Tomar, Tomar, 20 de Outubro de 1996.
— “Velhas Pedras de Tomar”, Tomar à Letra (Agenda Cultural), Tomar ( 9 artigos) de Setembro de 1995 a Outubro de 1997.
— “Tomar: o Espaço e o Tempo”, Cidade de Tomar, 27 de Fevereiro de 1998.
— “Turismo cultural”, Cidade de Tomar, 5 de Junho de 1998.
— “Turismo e património histórico-artístico”, Revista do Centro de Estudos de Turismo e Cultura, Nº 1, Tomar, Junho de 1998.
Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão numa perspectiva turístico-cultural, trabalho apresentado ao concurso para Professor-Coordenador do Instituto Politécnico de Tomar, Tomar, Dezembro de 1998.
VITERBO, Sousa — Dicionário Histórico e Documental dos Arquitectos, Engenheiros e Construtores Portugueses, reedição fac-similada, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1988, Vol II, pp. 183-204. 


sexta-feira, 25 de maio de 2018


EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR
7. NA MARGEM ESQUERDA DO NABÃO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 24 de Maio de 2018


“Continuação de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

Atravessando a Ponte Velha sobre o Nabão, encontramo-nos em território de Além-da-Ponte, a que os habitantes da margem direita chamavam, noutros tempos, “Espanha”. Foi precisamente esta a zona da cidade primeiramente povoada, quando Tomar era ainda a romana Sellium…
De ambos os lados da antiga Rua Larga — hoje Rua Marquês de Pombal —, junto à Igreja do Convento de Santa Iria, alinhavam-se duas importantes construções quinhentistas: o Palácio de Frei António de Lisboa, o intransigente reformador da Ordem de Cristo, António Moniz da Silva, frade jerónimo e inquisidor local. Esta grande casa foi de tal forma alterada que, excepto nas dimensões grandiosas, no pátio e num par de elementos arquitectónicos — nomeadamente um arco serliano —, se torna muito difícil reconhecer os pormenores descritos por Pedro Álvares Seco, que nos dá conta da sua grandeza, da sua extensa varanda alpendrada “à romana”, das escadarias e salões, das janelas de peitoril e de sacada voltadas aos quatro pontos cardeais… 
Mantém-se mais ou menos intacto o passadiço que o ligava ao Convento de Santa Iria, por baixo do qual se inicia a rua do mesmo nome. A austera janela de canto renascentista, cujo destino se desconhece mas cuja fotografia, pouco legível, foi ainda publicada, em 1927, por Vieira Guimarães, na sua obra de referência Thomar - Stª. Iria, teria sido um dos últimos sinais exteriores deste orgulhoso testemunho do poderio do homem de confiança do rei D. João III, senhor da decerto mais opulenta das casas nobres da cidade do Nabão…
Mais acima, limitado pela antiga Rua de Santo André — hoje dos Voluntários da República — o Palácio dos Valles, a família que mandou erigir a capela lateral da mesma Igreja — de que é actual proprietária —, contendo o belíssimo Calvário em pedra de Ançã, atribuído ao escultor João de Ruão, mestre da “Renascença Coimbrã” e provável autor de outras excelentes obras de arte da região, muito especialmente o portal da Igreja da Atalaia.



O Palácio dos Valles foi muito modificado relativamente à sua traça quinhentista, podendo apreciar-se ainda, do exterior, o largo portão ornado com volutas e o campanário, na esquina com a referida Rua dos Voluntários da República, atestando de algum modo os seus pergaminhos (Fig.1). Da “vandálica transfiguração” desta casa foi testemunha Amorim Rosa.
Outras boas casas e elementos arquitectónicos do século XVI dão carácter a muitas das ruas de Tomar. Sem desejar ser exaustivo, referirei apenas mais alguns exemplos.


A belíssima janela renascença da Rua do Camarão (Fig.2), talvez a mais elaborada da Cidade; a casa da Rua de S. João, a casa da Rua de Infantaria 15, com as suas janelas de verga decorada e aventais de decoração geométrica, bastante degradadas; e a casa quinhentista da Rua da Palmeira, restaurada recentemente, com janelas de avental rústico, simples mas de belo efeito.



FOTOS: C.Veloso

sexta-feira, 18 de maio de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR

6. O PALÁCIO DO D. PRIOR

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 17 de Maio de 2018

"Continuação  de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

               Outra notável casa quinhentista de Tomar, indissociável da existência do seu Convento, era o Palácio do D. Prior, complexo habitacional limitado pelas ruas da Corredoura, dos Moinhos e de S. João. Vejamos o testemunho de Vieira Guimarães sobre esta quase totalmente perdida edificação, que apresentava “entrada condigna, de largo vestíbulo, com bancos de pedra, onde se veem os encaixes de almofadas que quase sempre era de uso serem pranchas de cortiça, escada também de pedra, dando serventia, à direita para a espaçosa cozinha, e à esquerda para os amplos salões que, por largas janelas de sacada, deitavam para aquela Rua [Corredoura], jardim ladeado por varandas, uma das quais conduzia à capela, perto da qual se abria uma elegante janela de esquina que é, no género, uma verdadeira obra-prima […]”.


               Foi precisamente esta belíssima janela de canto que a União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo recolheu da demolição da parte da casa situada na esquina entre as Ruas de S. João e dos Moinhos, e foi depois utilizada no 2º piso da Casa do Turismo, onde ainda se encontra (Fig.1). Apresenta ela o balcão decorado com elementos geométricos em duplo “x” vasado, e frontão triangular, dobrado segundo o ângulo da esquina, apoiado sobre mainel jónico canelado, de um belo classicismo. A casa, tal como era, ou quase, pôde ainda ser admirada, cerca de 1927, por Vieira Guimarães, sendo referida, no mesmo ano, no volume referente ao distrito de Santarém do Inventário Artístico de Portugal, por Matos Sequeira. Essa circunstância permite datar de entre cerca de 1927 e 1933, data da conclusão das obras do edifício do Turismo, a demolição de parte do palácio, bem como a “migração” da referida janela, já que a pedra de armas que encimava o portão da entrada, desde data anterior se encontrava recolhida no Museu da U.A.M.O.C. O que resta deste palácio é praticamente irreconhecível.
               Na Casa do Turismo, situada em frente do já referido Hospital de S. Brás, para além dos seus elementos neo-renascentistas construídos “de novo”, segundo projecto de José Vilaça, enquadrados no gosto revivalista e historicista que o “Estado Novo”, numa agonia interminável, prolongaria até aos Anos Cinquenta do século XX, estão integrados, como já referi, elementos arquitectónicos, escultóricos  e decorativos diversos, dos séculos XV e XVI, provenientes de diversos edifícios antigos de Tomar e arredores, demolidos nas primeiras décadas do século XX. Estes são, para além dos elementos do “Paço dos Cubos”, do Palácio Lencastre e do dos Raimundos de Noronha, atrás referidos, e da agora indicada Janela do D. Prior, três gárgulas e um fecho de abóbada representando uma cabeça masculina. Estes elementos encontravam-se na posse da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, que os cedeu para o mesmo edifício.

               Muito próximo do Palácio do D. Prior, também com três fachadas, a principal dando para a Rua de S. João, as outras duas para a Corredoura e a Levada, existia o hoje desaparecido Palácio dos Condes de Linhares, imponente edifício da primeira metade do século XVI, originariamente propriedade de D. António de Noronha, Conde de Linhares, último Comendador do Prado e antigo Governador de Ceuta.
               Desconhecemos se alguma das duas janelas do século XVI referenciadas na Levada e atrás referidas têm alguma relação com este palácio.

FOTO: C.Veloso

sexta-feira, 11 de maio de 2018


AS CASAS DE PEDRO ÁLVARES 
SECO DE FREITAS 


Carlos Rodarte Veloso


“O Templário”
10 de Maio de 2018

"Continuação de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

Na Rua da Perizilha residia, em “boa casa”, Pedro Álvares Seco de Freitas, fidalgo e jurista falecido em 1590, ano em que foi sepultado no Claustro do Cemitério do Convento de Cristo, que era também grada figura da Tomar renascentista. É famoso como cronista dos Templários e da Ordem de Cristo, por encargo do rei D. João III (1552), tendo escrito, mais tarde e a pedido da rainha D. Catarina, o Tombo das Rendas e Direitos do Convento de Tomar e Comendas, obras todas elas da maior importância como fonte histórica desta região. Após a sua morte, a rua ganhou-lhe o nome, corrompido — Peralves Seco — que veio mais tarde a mudar para Rua da Capela quando, na segunda metade do século XVIII, aí se instalou Francisco Afonso de Lima, onde fez construir capela dedicada a S. Francisco de Assis. 
A sua casa, hoje ocupada pela Sociedade Nabantina, cuja fachada dá para a Rua Silva Magalhães, recuou em relação à construção mais antiga que presumivelmente substituiu, o que é corroborado pelo desalinhamento em que acabou por ficar o antigo edifício da Biblioteca Municipal de que já se falou, o qual, foi desmontado e voltado a montar já no novo alinhamento…

O proprietário setecentista terá construído o seu palácio, pelo menos em parte, precisamente sobre o local original da Casa de Pedr’Álvares. Além do já referido desalinhamento depois “corrigido”, o quarteirão em que se encontra parece demasiado pequeno para integrar outra grande construção. Tratar-se-ia, decerto, de uma boa casa renascentista, mas falta-nos em absoluto qualquer indicação mais precisa sobre as suas características.
Como facto digno de interesse, refira-se que o referido Francisco Afonso de Lima foi pai de António Florêncio de Araújo que viria a casar-se, em 1795, com outra verdadeira glória da história tomarense, Ângela Tamagnini, a corajosa mulher que intercedeu pelos revoltosos de Tomar junto do comandante invasor, em 1808, conseguindo evitar represálias sobre a população que lhe entregou as armas, de forma a não ter que as entregar aos franceses. Segundo a tradição, as espingardas cujos canos constituem os balaústres das varandas do jardim da casa, seriam precisamente algumas dessas armas.
Também ligadas ao Dr. Pedro Álvares Seco de Freitas, que ao tempo de D. Sebastião instituiu vínculo em Tomar, são as Casas Nobres, cabeça do mesmo morgadio, mas que as entidades oficiais insistiam — e insistem — em chamar “Palácio Alvim” (Fig.1), “imprópria e teimosamente”, segundo o protesto indignado de Amorim Rosa.


O dito complexo arquitectónico era possivelmente a mais importante propriedade urbana de Tomar, pela considerável dimensão dos edifícios que, com a sua Cerca plantada de loureiros e horta, era limitada pela Rua do Pé da Costa — hoje Rua do Dr. Sousa — e se estendia pela encosta, entre a Calçada do Convento e a Calçada de S. Tiago. 
Marca também da sua importância eram a “casa de regalo”, a mina e a cascata aí existentes, atributos exclusivos de uma qualidade de vida apenas ao alcance das classes privilegiadas, como aliás competia a um fidalgo da sua categoria que, segundo Amorim Rosa, teria sido “escudeiro da Infanta D. Isabel, desde 22 de Setembro de 1533 […]”.Esta particularidade constitui uma verdadeira contradição, pois não existia nenhuma “infanta D. Isabel” à data indicada por aquele autor… Tiveram essa designação a filha de D. João III, falecida em 1529, de tenra idade, e a célebre filha de D. Manuel, casada em 1526 com o imperador Carlos V (e I de Espanha), desde essa data rainha de Espanha e imperatriz da Casa de Áustria, que foi mãe de Filipe II, pintada por Ticiano e uma das mulheres mais admiradas do seu tempo… Não podia ser uma nem outra, aquela por ser falecida àquela data, esta por não ser já Infanta nem residir em Portugal. Trata-se, provavelmente, dum lapso cronológico, tipo de erro muito comum em Amorim Rosa.
A administração do vínculo foi continuada por seu sobrinho Bento de Castro de Freitas, falecido sem descendência, pelo que foi passado a D. Susana de Freitas de Castro, cuja pedra sepulcral armoriada jaz em frente à capela colateral do lado da Epístola da Igreja de S. João Baptista. As sucessivas transmissões do morgadio levaram-no da família do marido de D. Susana, os Pimentel Maldonado, a Timóteo de Sousa Alvim, de quem nasceu a designação de “Palácio Alvim”.
Foi seu último proprietário o Dr. João Maria de Sousa, reputado médico cujo nome foi atribuído à rua do palácio e se notabilizou como autor de um famoso estudo sobre a Cidade, Thomar, editado em 1903.
Adquirido pelo Município, foi a sede da Polícia de Segurança Pública de Tomar, mantendo um cunho quinhentista, embora ostentando numerosos elementos barrocos, provenientes das diversas obras efectuadas ao longo dos tempos. São também dignos de interesse os painéis de azulejos setecentistas situados no respectivo átrio. É ainda um belo e imponente edifício, dominando a maior parte da banda ocidental da Rua do Dr. Sousa, digno dos pergaminhos do seu ilustre fundador.



FOTO: C.Veloso

sexta-feira, 4 de maio de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR

4.NA ÁREA DA AVENIDA CÂNDIDO MADUREIRA

Carlos Rodarte Veloso
"O Templário"
3 de Maio de 2018


"Continuação  de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão” 


A Rua de Pedro Dias e parte da antiga Rua da Graça — hoje Avenida Dr. Cândido Madureira — limitam um espaço habitado que ainda hoje apresenta vestígios quinhentistas bastante adulterados mas ilustrativos da nobreza dos seus ocupantes. A décadas de destruições, sobrevivem dois edifícios nobres, tendo sido demolido um outro, em 1955, apesar do protesto de alguns notáveis da Cidade, nomeadamente o de Eugénio de Figueiredo e Silva. Assim aconteceu com a casa quinhentista da Rua da Graça, “com varanda alpendrada e boa colunata”, a que dava acesso uma escadaria, que foi demolida sem contemplações, para no seu lugar se construir um edifício de quatro andares, em flagrante contraste com a zona histórica envolvente. Conheço bem o edifício que o substituiu, porque aí morei durante quase 20 anos. As cantarias originais foram oferecidas pelo proprietário à União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo, sendo de destacar algumas vergas de recorte manuelino.
Exemplar na fuga a responsabilidades, é o verdadeiro “jogo de empurra” que então houve entre a Câmara, a Direcção Geral dos Monumentos Nacionais e a Direcção Geral do Ensino Superior e das Belas Artes, em que se recorreu a tudo, desde obstáculos burocráticos e “falta de verba”, à sugestão de ser o edifício “pobre de arquitectura” e à tentativa — frustrada — de o “despachar” para outras instituições estatais… não muito diferente, afinal, de outros “jogos de empurra” bem nossos conhecidos…
 

Melhor sorte teve o Palácio dos Velhos de Macedo (Fig.1), situado na mesma rua, um pouco acima, cuja construção deve ser pouco posterior a 1550 e que, segundo Amorim Rosa, era de Gonçalo Velho Cabral, navegador famoso a quem o Infante D. Henrique confiou o primeiro povoamento dos Açores. A sua frontaria apresenta duas janelas com avental boleado, ladeadas por duas de sacada. Tem também frente para a Travessa do Arco, que atravessa com um passadiço e para a Rua de Pedro Dias, em cuja esquina apresenta uma belíssima janela de esquina de avental lavrado ao gosto renascentista, infelizmente bastante danificado (Fig.2). Parte do edifício é ainda propriedade e residência de descendentes do proprietário original.

Na Rua de Pedro Dias, fronteira ao edifício anterior, há ainda a assinalar a também quinhentista Casa dos Tassos Figueiredo (Fig.3), herdeiros do Conselheiro Baima de Bastos, em que sobressaem as janelas alternadas de sacada e peitoril, estas de avental almofadado. De referir as mísulas divergentes — ou perspectivadas — das vergas das janelas, à maneira das da Igreja de Nossa Senhora da Conceição, que fizeram Vieira Guimarães considerá-las obra de Diogo de Torralva a quem era então atribuída aquela obra. Os conhecimentos hoje adquiridos permitem atribuir a João de Castilho essa belíssima igreja, sendo Diogo de Torralva quem a terminou, pelo menos na parte arquitectonicamente mais nobre. Em qualquer dos casos, não seria decerto nenhum deles o autor da casa da Rua de Pedro Dias, visto serem ambos mestres das obras régias e senhores de alto estatuto social, não lhes sobrando decerto tempo — ou dignidade… — para empreitadas particulares. Além disso não faltariam então, em Tomar, exímios artífices provenientes dos estaleiros das grandes obras então em curso, perfeitamente qualificados para encomendas desta índole e, como é óbvio influenciados por aquelas.
Noutra ramificação da Rua da Graça encontramos a casa de Aires do Quental, feitor-mor de D. Manuel I e de D. João III, bem conhecido por ter mandado construir a ermida de S. Lourenço e ter feito “corrigir”, em 1530 e por ordem real, “ho rio desta villa de Tomar para se por ele navegarem hos bates [batéis] de Punhete”. A sua casa, na Travessa ainda hoje chamada “do Quental”, mantém as belas janelas com aventais de cantaria e almofadas geminadas, e a característica varanda alpendrada. Foi habitada por descendentes seus até tempos recentes, tendo estado o escritor Antero de Quental ligado a esta família, segundo Romualdo Mela.
Fotos: C.Veloso

terça-feira, 1 de maio de 2018



O PRIMEIRO 1º DE MAIO

 Carlos Rodarte Veloso

1 de Maio de 2018



Uma “tão simples reivindicação” – hoje considerada perfeitamente normal - como o foi a exigência da jornada de trabalho de 8 horas, incendiou aquele dia 1º de Maio de 1886, em Chicago, durante a greve geral convocada pela 4ª Conferência da Federação dos Trabalhadores dos Estados Unidos da América e do Canadá. Nesse dia 5.000 greves alastraram pelos dois países atingindo mais de 125.000 trabalhadores.
Mas o patronato, com a cumplicidade activa do governo, reprimiu selvaticamente as manifestações, recorrendo, ora à polícia, ora a agentes provocadores fortemente armados que lançaram bombas sobre as multidões, criando o caos total. Este crime foi imputado aos principais dirigentes sindicais, logo presos, julgados e condenados à morte.
Enforcados dias depois, foram mais tarde reconhecidos como inocentes e glorificados como os “Mártires de Chicago”. Foi a sua acção intrépida que deu origem à comemoração anual do Dia  Internaconal do Trabalhador, desde então sempre celebrado nesta data.
Mas não em todos os países: apenas naqueles que aderiram às reivindicações então defendidas pelos trabalhadores, os países democráticos de todo o mundo, e naqueles que ideologicamente se declaravam estados operários, concretamente as repúblicas populares do Leste da Europa e da Ásia, e Cuba.
Só em 1890, as Associações Operárias portuguesas aderiram às comemorações do 1º de Maio, sendo depois proibidas pela ditadura do Estado Novo, simpatizante dos regimes fascistas e nazi e, como tal, proibindo o movimento sindical independente e impondo o corporativismo das classes sociais e a sua aliança contra natura
Na sequência do 25 de Abril de 1974, no 1º de Maio, este foi finalmente celebrado em Portugal, representando a maior concentração de massas humanas da nossa História, em todas as grandes cidades. Só em Lisboa contou com a  participação de cerca de 1 milhão de manifestantes, do que dão testemunho as fotografias e filmes então obtidos. Foi o momento máximo de unidade nacional em torno dos direitos dos trabalhadores, mas também dos direitos humanos. Esse ideal enfraqueceu com o inevitável desgaste de um tempo difícil em que as divisões entre os trabalhadores acabaram por se sobrepor à unidade desse momento único.
Mas o ideal de unidade não foi esquecido: aqui e ali, hoje mesmo no nosso País, as divisões são superadas pelo desejo do bem comum, e os rivais aliam-se como em 1886, para enfrentar a exploração capitalista. Com algumas ressalvas, é bem verdade, mas quem disse que o mundo é perfeito?
IMAGENS: “O Quarto Estado”, pintura de Volpedo, 1901 e “O 1º de Maio de 1974 em Lisboa”