sexta-feira, 26 de outubro de 2018


QUANDO OS HINOS E OS SLOGANS CHEIRAM A SANGUE
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 24 de Outubro de 2018

            Todas as atitudes nacionalistas da história mundial dos dois últimos séculos requereram um poema épico que sublinhasse a sublimidade de cada nação e a sua vocação ao mesmo tempo libertadora e imperialista. É desses paradoxos que tem sido construída a história mundial, e são os hinos nacionais, muitos deles extraordinariamente belos e inspiradores, da autoria até de génios da música e da literatura, que hoje ouvimos muito prosaicamente nas finais olímpicas ou futebolísticas como símbolo dos países vitoriosos.
            Da glorificação das diversas nações, em termos desportivos ou para solenizar grandes realizações, não virá decerto mal ao mundo e esses hinos representam o elo de união entre comunidades por vezes separadas geograficamente, acalentando ao mesmo tempo a ideia da herança cultural única que cada povo representa.
            Vem isto a propósito do aproveitamento que um hino nacional concreto, o da Alemanha, veio a ter em contextos completamente diferentes da sua motivação original. Com a letra retirada da terceira estrofe do poema “Das Lied der Deutschen” (A canção dos Alemães) da autoria de Hoffmann von Fallersleben e a música extraída do “Quarteto do Imperador” de Joseph Haydn, foi o hino nacional popular do Império Alemão até ao fim da 1ª Guerra Mundial, sendo elevado a hino nacional oficial em 1922, sob a República de Weimar.
Com Hitler, a primeira estrofe da “Canção dos Alemães”, “Deutschland, Deutschland über alles” (Alemanha, Alemanha acima de tudo), de carácter fortemente nacionalista e agressivo, foi utilizada como hino nacional da Alemanha nazi. Em 1952 no rescaldo da vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, a “Canção dos Alemães” foi reconhecida definitivamente como hino nacional da Alemanha Ocidental, sendo omitida a primeira e referida estrofe, considerada ofensiva.
A ideia de superioridade nacional – que vai gerar a ideia de superioridade racial – contida exactamente na versão nazi do hino alemão, ressurge em 2016, pela boca de Donald Trump, com “America First”, depois de desde o presidente Woodrow Wilson (1916) e de diversos movimentos isolacionistas contra a intervenção dos Estados Unidos nos assuntos europeus terem surgido naquele país.

Esse isolacionismo, recorrente em todos os momentos de crise internacional, mas nunca até aqui triunfante, parece agora bem cimentado pela ideologia de Trump e pelo apoio popular que lhe deu a presidência. Se ele se mantém só o futuro o dirá, mas o seu exemplo deu frutos amargos e, como temos visto, os recuos internacionais das democracias em diversos países, são sem dúvida inspirados neste “Big Brother” que envia testas de ferro para todo o mundo.
O efeito de imitação evidente surge agora no sul do continente americano, quando o candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, baptizou a coligação que lidera como “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”. O carácter nacionalista, militarista, racista, xenófobo e ao mesmo tempo populista deste candidato, soma-se às suas atitudes falsamente cristãs, à imagem e semelhança do seu ridículo modelo estado-unidense.


Como se fosse pouco, ao mesmo tempo que Trump manifesta despudorada e estupidamente a sua ignorância ao gabar-se de ter “um instinto natural para a Ciência” herdado de um tio que dá aulas no MIT(!!!), que o faz negar as alterações climáticas, Bolsonaro segue na sua esteira prometendo o abandono pelo Brasil do Tratado de Paris, assim como de quase todas as medidas antes tomadas a favor do ambiente e dos direitos dos indígenas.
Trump ainda não tem forças paramilitares nas ruas dos Estados Unidos, mas Bolsonaro já as tem no Brasil. Parece que o imitador está “ultrapassando” o imitado, enquanto do alto das nuvens o espectro do Führer estende freneticamente o braço, numa ameaçadora saudação.

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