QUANDO OS HINOS E OS SLOGANS CHEIRAM A SANGUE
Carlos Rodarte Veloso
“O
Templário”, 24 de Outubro de 2018
Todas as atitudes nacionalistas da
história mundial dos dois últimos séculos requereram um poema épico que
sublinhasse a sublimidade de cada nação e a sua vocação ao mesmo tempo libertadora
e imperialista. É desses paradoxos que tem sido construída a história mundial,
e são os hinos nacionais, muitos deles extraordinariamente belos e
inspiradores, da autoria até de génios da música e da literatura, que hoje
ouvimos muito prosaicamente nas finais olímpicas ou futebolísticas como símbolo
dos países vitoriosos.
Da glorificação das diversas nações,
em termos desportivos ou para solenizar grandes realizações, não virá decerto
mal ao mundo e esses hinos representam o elo de união entre comunidades por
vezes separadas geograficamente, acalentando ao mesmo tempo a ideia da herança
cultural única que cada povo representa.
Vem isto a propósito do
aproveitamento que um hino nacional concreto, o da Alemanha, veio a ter em
contextos completamente diferentes da sua motivação original. Com a letra retirada
da terceira estrofe do poema “Das Lied der Deutschen” (A canção dos Alemães) da
autoria de Hoffmann von Fallersleben e a música extraída do “Quarteto do
Imperador” de Joseph Haydn, foi o hino nacional popular do Império Alemão até
ao fim da 1ª Guerra Mundial, sendo elevado a hino nacional oficial em 1922, sob
a República de Weimar.
Com
Hitler, a primeira estrofe da “Canção dos Alemães”, “Deutschland, Deutschland
über alles” (Alemanha, Alemanha acima de tudo), de carácter fortemente
nacionalista e agressivo, foi utilizada como hino nacional da Alemanha nazi. Em
1952 no rescaldo da vitória aliada na 2ª Guerra Mundial, a “Canção dos Alemães”
foi reconhecida definitivamente como hino nacional da Alemanha Ocidental, sendo
omitida a primeira e referida estrofe, considerada ofensiva.
A
ideia de superioridade nacional – que vai gerar a ideia de superioridade racial
– contida exactamente na versão nazi do hino alemão, ressurge em 2016, pela
boca de Donald Trump, com “America First”, depois de desde o presidente Woodrow
Wilson (1916) e de diversos movimentos isolacionistas contra a intervenção dos
Estados Unidos nos assuntos europeus terem surgido naquele país.
Esse
isolacionismo, recorrente em todos os momentos de crise internacional, mas
nunca até aqui triunfante, parece agora bem cimentado pela ideologia de Trump e
pelo apoio popular que lhe deu a presidência. Se ele se mantém só o futuro o
dirá, mas o seu exemplo deu frutos amargos e, como temos visto, os recuos
internacionais das democracias em diversos países, são sem dúvida inspirados
neste “Big Brother” que envia testas de ferro para todo o mundo.
O
efeito de imitação evidente surge agora no sul do continente americano, quando
o candidato à presidência do Brasil, Jair Bolsonaro, baptizou a coligação que
lidera como “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”. O carácter
nacionalista, militarista, racista, xenófobo e ao mesmo tempo populista deste
candidato, soma-se às suas atitudes falsamente cristãs, à imagem e semelhança
do seu ridículo modelo estado-unidense.
Como
se fosse pouco, ao mesmo tempo que Trump manifesta despudorada e estupidamente
a sua ignorância ao gabar-se de ter “um instinto natural para a Ciência”
herdado de um tio que dá aulas no MIT(!!!), que o faz negar as alterações
climáticas, Bolsonaro segue na sua esteira prometendo o abandono pelo Brasil do
Tratado de Paris, assim como de quase todas as medidas antes tomadas a favor do
ambiente e dos direitos dos indígenas.
Trump
ainda não tem forças paramilitares nas ruas dos Estados Unidos, mas Bolsonaro
já as tem no Brasil. Parece que o imitador está “ultrapassando” o imitado,
enquanto do alto das nuvens o espectro do Führer estende freneticamente o
braço, numa ameaçadora saudação.
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