IMAGEM DO ÍNDIO BRASILEIRO
NA CULTURA OCIDENTAL
Carlos Rodarte Veloso
Correio Transmontano”, 3 de Fevereiro de 2019
Os índios brasileiros ou, melhor, o que resta deles depois do doloroso processo de aculturação, em muitos casos de genocídio correspondente à sua descoberta pelos portugueses e às várias atitudes que estes e os restantes europeus para com eles tiveram, passaram sucessivamente, do estatuto de gente intocada ainda pelo “pecado original”, ao de seres brutais e maléficos, de acordo com os interesses ideológicos de cada época, marcados profundamente nas suas diversas vertentes: dogmática, sob a chefia da Santa Sé, missionária, liderada pela Companhia de Jesus e outras ordens religiosas, civil e colonizadora, submetida aos interesses dos colonos.
A primeira das fontes iconográficas que explicitamente representam os índios do Brasil é a cartografia, onde imagens exóticas mas nem por isso menos expressivas, representam, além de fauna e flora nativas, índios apenas enfeitados com os cocares tradicionais, com um realismo que só se pode dever à observação directa ou ao testemunho de navegadores.
É o caso também de representações altamente cruas de cenas de antropofagia, em consonância com “descrições” desde o início do século XVI divulgadas pela Europa, narrando costumes canibais de uma brutalidade e vulgaridade que em muito ultrapassam o canibalismo ritual praticado pelos índios brasileiros, afastando-o assim, cada vez mais, da representação do “bom selvagem” que adivinhamos na Carta do Achamento de Pero Vaz de Caminha.
Também em pinturas portuguesas de gosto já renascentista posteriores à descoberta do Brasil se detecta grande dissonância relativamente aos sentimentos despertados nos respectivos artistas.
Assim, na Adoração dos Magos do Museu Grão Vasco, o rei mago negro, tradicionalmente designado como Baltasar, é substituído por um índio brasileiro tupinambá adornado com traje de folhas e coberto com o respectivo cocar emplumado e no Calvário do mesmo Museu, atribuído ao próprio Grão Vasco, o Bom Ladrão é representado com feições e cabeleira que o identificam inequivocamente como um índio brasileiro. Em ambos os casos, como é óbvio, a imagem do Índio encontra-se identificada com o Bem.
Em sentido inverso, no famoso Inferno do Museu Nacional de Arte Antiga, pintado possivelmente pelo pintor régio Jorge Afonso, surge um índio brasileiro reconhecível pelos seus atavios tradicionais, a presidir ao suplício dos condenados na qualidade do próprio rei dos Infernos, enquanto um outro diabo também vestido com penas multicolores, transporta às costas um frade luxurioso!…
Um longo caminho fora percorrido desde que a Carta de Pero Vaz de Caminha que apresentava os índios brasileiros na sua simplicidade total, na inocência mais transparente, livres ainda do próprio pecado original, num paraíso perdido… Navegadores e Jesuítas alimentaram desde logo essa ideia idílica, mais tarde institucionalizada no quadro do Iluminismo pelo mito do “bom selvagem”, terreno virgem para a sementeira da Fé, o que levou o papa Paulo III a reconhecer a racionalidade e a habilitação destes “selvagens” para a Fé católica, não admitindo que eles fossem privados da liberdade. Nascia assim a questão que desde então opôs a Igreja aos colonos, os quais não concebiam sequer a hipótese de se verem assim privados de tão grande número de potenciais escravos. Este conflito viria a arrastar-se, penosamente, até ao consulado do marquês de Pombal, que os liberta de qualquer servidão, concedendo-lhes ainda numerosos direitos civis..
Desde então assiste-se a um gradual aumento da protecção legal ao indígena brasileiro, com altos e baixos mas sempre no sentido de reconhecer os seus direitos civis e, concomitantemente, a protecção das extensíssimas áreas florestais em que habitava, áreas essas que até há algum tempo têm contribuído para proteger o meio ambiente a nível planetário.
A recente eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, em contracorrente com os anteriores governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, surge como uma ameaça mortal para os índios e, muito directamente, para a destruição do ambiente, pois, em consonância com a política do presidente norte-americano Trump, defende irracionalmente a ideia da inexistência do aquecimento global e das drásticas alterações climáticas que tanta tragédia tem trazido a grande parte do planeta, mantendo todas as práticas industriais há muito condenadas pela Ciência e recusando os urgentes acordos internacionais nesse sentido.
Mais ainda, Bolsonaro alimenta a feroz perseguição, com laivos de genocídio, contra os povos nativos do Brasil, através da sua confinação a reservas que se tornam mais e mais reduzidas, à medida que o espaço florestal e selvagem é usurpado pela exploração agrícola e industrial, tendo em conta única e simplesmente o lucro capitalista.
A agressividade dos invasores dessas terras está armada até aos dentes com armas de fogo e surge agora desenfreada pela protecção conferida pelo novo Presidente da República.
Entretanto, Bolsonaro que, em plena campanha eleitoral não deixou dúvidas quanto aos seus propósitos, prometeu acabar com a demarcação de reservas, aquilo a que chamou “activismo ambiental xiita”, de novo diabolizando o Índio, assim o transformando, de novo, no “vilão da história”, como convém aos grandes interesses capitalistas que o querem expropriar do território que ainda lhe resta.
Estão assim em grave perigo os sobreviventes nativos do grande país que é o Brasil. Este retrocesso civilizacional, como tantos outros a que hoje se assiste por esse mundo, torna repugnante qualquer benevolência, por muito diplomática que seja, para com o hediondo presidente do Brasil, evidente fascista e defensor do criminoso regime militar que governou o Brasil de 1964 e 1985, agora também apoiante do genocídio dos nativos brasileiros!
A primeira das fontes iconográficas que explicitamente representam os índios do Brasil é a cartografia, onde imagens exóticas mas nem por isso menos expressivas, representam, além de fauna e flora nativas, índios apenas enfeitados com os cocares tradicionais, com um realismo que só se pode dever à observação directa ou ao testemunho de navegadores.
É o caso também de representações altamente cruas de cenas de antropofagia, em consonância com “descrições” desde o início do século XVI divulgadas pela Europa, narrando costumes canibais de uma brutalidade e vulgaridade que em muito ultrapassam o canibalismo ritual praticado pelos índios brasileiros, afastando-o assim, cada vez mais, da representação do “bom selvagem” que adivinhamos na Carta do Achamento de Pero Vaz de Caminha.
Também em pinturas portuguesas de gosto já renascentista posteriores à descoberta do Brasil se detecta grande dissonância relativamente aos sentimentos despertados nos respectivos artistas.
Assim, na Adoração dos Magos do Museu Grão Vasco, o rei mago negro, tradicionalmente designado como Baltasar, é substituído por um índio brasileiro tupinambá adornado com traje de folhas e coberto com o respectivo cocar emplumado e no Calvário do mesmo Museu, atribuído ao próprio Grão Vasco, o Bom Ladrão é representado com feições e cabeleira que o identificam inequivocamente como um índio brasileiro. Em ambos os casos, como é óbvio, a imagem do Índio encontra-se identificada com o Bem.
Em sentido inverso, no famoso Inferno do Museu Nacional de Arte Antiga, pintado possivelmente pelo pintor régio Jorge Afonso, surge um índio brasileiro reconhecível pelos seus atavios tradicionais, a presidir ao suplício dos condenados na qualidade do próprio rei dos Infernos, enquanto um outro diabo também vestido com penas multicolores, transporta às costas um frade luxurioso!…
Um longo caminho fora percorrido desde que a Carta de Pero Vaz de Caminha que apresentava os índios brasileiros na sua simplicidade total, na inocência mais transparente, livres ainda do próprio pecado original, num paraíso perdido… Navegadores e Jesuítas alimentaram desde logo essa ideia idílica, mais tarde institucionalizada no quadro do Iluminismo pelo mito do “bom selvagem”, terreno virgem para a sementeira da Fé, o que levou o papa Paulo III a reconhecer a racionalidade e a habilitação destes “selvagens” para a Fé católica, não admitindo que eles fossem privados da liberdade. Nascia assim a questão que desde então opôs a Igreja aos colonos, os quais não concebiam sequer a hipótese de se verem assim privados de tão grande número de potenciais escravos. Este conflito viria a arrastar-se, penosamente, até ao consulado do marquês de Pombal, que os liberta de qualquer servidão, concedendo-lhes ainda numerosos direitos civis..
Desde então assiste-se a um gradual aumento da protecção legal ao indígena brasileiro, com altos e baixos mas sempre no sentido de reconhecer os seus direitos civis e, concomitantemente, a protecção das extensíssimas áreas florestais em que habitava, áreas essas que até há algum tempo têm contribuído para proteger o meio ambiente a nível planetário.
A recente eleição de Jair Bolsonaro como presidente do Brasil, em contracorrente com os anteriores governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff, surge como uma ameaça mortal para os índios e, muito directamente, para a destruição do ambiente, pois, em consonância com a política do presidente norte-americano Trump, defende irracionalmente a ideia da inexistência do aquecimento global e das drásticas alterações climáticas que tanta tragédia tem trazido a grande parte do planeta, mantendo todas as práticas industriais há muito condenadas pela Ciência e recusando os urgentes acordos internacionais nesse sentido.
Mais ainda, Bolsonaro alimenta a feroz perseguição, com laivos de genocídio, contra os povos nativos do Brasil, através da sua confinação a reservas que se tornam mais e mais reduzidas, à medida que o espaço florestal e selvagem é usurpado pela exploração agrícola e industrial, tendo em conta única e simplesmente o lucro capitalista.
A agressividade dos invasores dessas terras está armada até aos dentes com armas de fogo e surge agora desenfreada pela protecção conferida pelo novo Presidente da República.
Entretanto, Bolsonaro que, em plena campanha eleitoral não deixou dúvidas quanto aos seus propósitos, prometeu acabar com a demarcação de reservas, aquilo a que chamou “activismo ambiental xiita”, de novo diabolizando o Índio, assim o transformando, de novo, no “vilão da história”, como convém aos grandes interesses capitalistas que o querem expropriar do território que ainda lhe resta.
Estão assim em grave perigo os sobreviventes nativos do grande país que é o Brasil. Este retrocesso civilizacional, como tantos outros a que hoje se assiste por esse mundo, torna repugnante qualquer benevolência, por muito diplomática que seja, para com o hediondo presidente do Brasil, evidente fascista e defensor do criminoso regime militar que governou o Brasil de 1964 e 1985, agora também apoiante do genocídio dos nativos brasileiros!
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