sábado, 7 de janeiro de 2017


SEIS HORAS EM ATENAS

Publicado n’O Templário de 5 de Janeiro de 2017

O que faria se tivesse apenas 6 horas para visitar Atenas? Cabe-me responder, porque no regresso de Corfu onde fui participar num congresso internacional, a escala em Atenas antes da partida para Amsterdão perfazia cerca de seis horas. Seis horas a secar num aeroporto a apenas algumas dezenas de quilómetros da nossa sobre todas alma mater, a Cidade onde nasceu a Democracia e a Filosofia, a Cidade da Acrópole e da Ágora, da harmonia e dos valores humanísticos! Como não sabia se, nem quando lá poderia voltar e, por isso e contra toda a lógica que desconselharia preencher um tão breve lapso de tempo, sujeito a mais que possíveis atrasos nos transportes, com uma visita relâmpago, arrisquei e ganhei.
A viagem do aeroporto num táxi conduzido, felizmente, por um razoável falante do Inglês, pôs-me na base da Acrópole, o monte sagrado sobre o qual foram erigidos os mais belos templos de toda a Grécia, sob a protecção de sólidas muralhas.
A entrada na cidadela que protegia o conjunto de templos não correspondeu às expectativas românticas que sempre alimentara em relação àquele sítio único: a multidão que se acotovelava desde os Propileus, a arruinada entrada monumental, até ao Parténon (Fig.1), o templo em ruínas dedicado à protectora da Cidade, Palas Atena, de tão ruidosa impedia qualquer tentativa de meditação ou de reflexão sobre o tesouro artístico que me rodeava. Os flashes das câmaras fotográficas, a correria de uma multidão que procurava recolher o maior número de imagens possível, prova da sua presença em lugares exóticos e cobiçados, sobrepunham-se a qualquer interesse legítimo pelo cenário envolventre. E ainda não tinham surgido as selfies, essa praga e marca de um narcisismo exacerbado... Para mais, a grande cidade moderna, com os seus quatro milhões de habitantes, rodeia o monte sagrado sob um céu muito pouco mediterrânico devido à nebulosidade ácida provocada pela poluição, verdadeira assassina destes vestígios gloriosos de um passado que arqueólogos e restauradores tentam preservar.
Entretanto mantém-se a recusa do governo inglês de devolver à Grécia o famosos frisos escultóricos do Parténon, da autoria de Fídias, roubados no século XIX por Lord Elgin e levados para Londres onde continuam expostos como mais uma coroa de “glória” de um passado de rapina em que se juntaram as maiores potências europeias e os Estados Unidos para arrecadar para os seus países algumas das mais gloriosas relíquias da Grécia, da Itália, da Mesopotâmia, da Pérsia e do Egipto. Na verdade, o Reino Unido, a França e a Alemanha, recordistas neste tipo de extorsão, argumentam, apesar dos notáveis avanços das ciências da conservação e restauro hoje conseguidos nos países espoliados, que os objectos artísticos estão assim mais seguros e bem cuidados por especialistas... sem terem o cuidado de lembrar que essa “segurança” lhes rende fortes dividendos devido ao turismo de massas de que beneficiam!
Mas aí estavam o Parténon, o Erecteion e a sua famosíssima e formosíssima tribuna das Cariátides (Fig.2), todos rodeados de andaimes e o Templo de Atena Niké, junto à entrada, pequena jóia da arquitectura, ela também em grave perigo de conservação.
No percurso para a parte baixa da pólis, pude admirar o teatro romano de Herodes Ático, edifício magnífico exemplarmente conservado e algum do espólio do museu Kanellopoulos que expõe, nos seus diversos andares, colecções primorosamente conservadas de esculturas, cerâmica pintada, ourivesaria, moedas, armas e ferramentas das várias épocas da Grécia Antiga.
Chega-se então à zona baixa da pólis, a Ágora, continuada depois com as construções do Forum romano e com a pequena igreja bizantina de S. Eleutério.
No que toca à Ágora propriamente dita, ladeada pelos restos do Areópago ou  “Colina de Ares”, em cujas bancadas se juntavam os cidadãos para assistir ao exercício do poder judicial, destaca-se a sólida construção, bem conservada, do Templo de Efesto e o edifício reconstruído do Stoa (Fig.3) – ou Pórtico – onde os atenienses, abrigados do sol e da chuva pelas suas coberturas assentes em sólidas colunas dóricas, passeavam ao mesmo tempo que tratavam dos seus assuntos.
Era notável o contraste deste amplo espaço, semeado de oliveiras, com o ambiente anárquico e quase histérico das multidões que invadiam a Acrópole: a presença de apenas algumas dezenas de pessoas passeando silenciosamente pelo primeiro espaço democrático do mundo, o marulhar do vento na folhagem e, bem ao longe, o bruá da grande cidade, permitia o exercício da imaginação, a observação e a captação do “espírito do lugar”, essa abstracção tão subjectiva quanto individual “inventada” pelo Romantismo, impossível de descrever, mas apenas de sentir.
Passadas as horas previstas para esta visita relâmpago, era preciso descer às coisas práticas, como comprar os souvenirs para Família e Amigos e aí encontrei um interessante interlocutor no empregado de uma dessas lojas, com quem conversei sobre o assunto do momento – estávamos a 4 de Junho de 2004 – o Campeonato Europeu de Futebol, então a decorrer em Lisboa. Dizia o jovem ateniense que a Grécia não teria hipóteses com a nossa equipa, altamente cotada e considerada quase invencível. Nesse mesmo dia realizavam-se os quartos de final contra a Grã-Bretanha. Com um pouco de falsa modéstia respondi-lhe, magnanimamente, que o resultado poderia ser inesperado... Mal sabia eu o quanto seria!
E foi num avião da KLM, companhia holandesa, que viajei para Amsterdão, e daí para Lisboa, ao som do relato do Portugal – Inglaterra, com uma companhia maciça de portugueses embarcadas na Holanda, mimados por uma tripulação que, ironicamente, viria a ver a sua selecção derrotada por Portugal nas meias-finais efectuadas em 30 de Junho... Mas naquele momento o que interessava era ultrapassar a comum rival britânica e isso foi conseguido com um empate glorioso. Como agora sabemos, empates também podem trazer glória... E foi num misto de satisfação com este resultado futebolístico – eu, entusiasmado com o futebol! – e com a recordação daquela semana magnífica passada entre Corfu e  Atenas, que adormeci pesadamente nessa noite... Confesso que estava extenuado, mas muito, muito contente!








 

Sem comentários:

Enviar um comentário