SEIS HORAS EM ATENAS
Publicado n’O Templário de 5 de Janeiro de 2017
O que faria se tivesse apenas 6
horas para visitar Atenas? Cabe-me responder, porque no regresso de Corfu onde
fui participar num congresso internacional, a escala em Atenas antes da partida
para Amsterdão perfazia cerca de seis horas. Seis horas a secar num aeroporto a
apenas algumas dezenas de quilómetros da nossa sobre todas alma mater, a Cidade
onde nasceu a Democracia e a Filosofia, a Cidade da Acrópole e da Ágora, da
harmonia e dos valores humanísticos! Como não sabia se, nem quando lá poderia
voltar e, por isso e contra toda a lógica que desconselharia preencher um tão
breve lapso de tempo, sujeito a mais que possíveis atrasos nos transportes, com
uma visita relâmpago, arrisquei e ganhei.
A viagem do aeroporto num táxi
conduzido, felizmente, por um razoável falante do Inglês, pôs-me na base da
Acrópole, o monte sagrado sobre o qual foram erigidos os mais belos templos de
toda a Grécia, sob a protecção de sólidas muralhas.
A entrada na cidadela que
protegia o conjunto de templos não correspondeu às expectativas românticas que
sempre alimentara em relação àquele sítio único: a multidão que se acotovelava
desde os Propileus, a arruinada entrada monumental, até ao Parténon (Fig.1), o
templo em ruínas dedicado à protectora da Cidade, Palas Atena, de tão ruidosa
impedia qualquer tentativa de meditação ou de reflexão sobre o tesouro
artístico que me rodeava. Os flashes das câmaras fotográficas, a correria de
uma multidão que procurava recolher o maior número de imagens possível, prova
da sua presença em lugares exóticos e cobiçados, sobrepunham-se a qualquer
interesse legítimo pelo cenário envolventre. E ainda não tinham surgido as
selfies, essa praga e marca de um narcisismo exacerbado... Para mais, a grande cidade
moderna, com os seus quatro milhões de habitantes, rodeia o monte sagrado sob
um céu muito pouco mediterrânico devido à nebulosidade ácida provocada pela
poluição, verdadeira assassina destes vestígios gloriosos de um passado que
arqueólogos e restauradores tentam preservar.
Entretanto mantém-se a recusa do
governo inglês de devolver à Grécia o famosos frisos escultóricos do Parténon,
da autoria de Fídias, roubados no século XIX por Lord Elgin e levados para
Londres onde continuam expostos como mais uma coroa de “glória” de um passado
de rapina em que se juntaram as maiores potências europeias e os Estados Unidos
para arrecadar para os seus países algumas das mais gloriosas relíquias da
Grécia, da Itália, da Mesopotâmia, da Pérsia e do Egipto. Na verdade, o Reino
Unido, a França e a Alemanha, recordistas neste tipo de extorsão, argumentam,
apesar dos notáveis avanços das ciências da conservação e restauro hoje
conseguidos nos países espoliados, que os objectos artísticos estão assim mais
seguros e bem cuidados por especialistas... sem terem o cuidado de lembrar que
essa “segurança” lhes rende fortes dividendos devido ao turismo de massas de
que beneficiam!
Mas aí estavam o Parténon, o
Erecteion e a sua famosíssima e formosíssima tribuna das Cariátides (Fig.2),
todos rodeados de andaimes e o Templo de Atena Niké, junto à entrada, pequena
jóia da arquitectura, ela também em grave perigo de conservação.
No percurso para a parte baixa da
pólis, pude admirar o teatro romano de Herodes Ático, edifício magnífico
exemplarmente conservado e algum do espólio do museu Kanellopoulos que expõe,
nos seus diversos andares, colecções primorosamente conservadas de esculturas, cerâmica
pintada, ourivesaria, moedas, armas e ferramentas das várias épocas da Grécia
Antiga.
Chega-se então à zona baixa da
pólis, a Ágora, continuada depois com as construções do Forum romano e com a
pequena igreja bizantina de S. Eleutério.
No que toca à Ágora propriamente
dita, ladeada pelos restos do Areópago ou “Colina de Ares”, em cujas bancadas se
juntavam os cidadãos para assistir ao exercício do poder judicial, destaca-se a
sólida construção, bem conservada, do Templo de Efesto e o edifício
reconstruído do Stoa (Fig.3) – ou Pórtico – onde os atenienses, abrigados do
sol e da chuva pelas suas coberturas assentes em sólidas colunas dóricas,
passeavam ao mesmo tempo que tratavam dos seus assuntos.
Era notável o contraste deste
amplo espaço, semeado de oliveiras, com o ambiente anárquico e quase histérico
das multidões que invadiam a Acrópole: a presença de apenas algumas dezenas de
pessoas passeando silenciosamente pelo primeiro espaço democrático do mundo, o
marulhar do vento na folhagem e, bem ao longe, o bruá da grande cidade,
permitia o exercício da imaginação, a observação e a captação do “espírito do
lugar”, essa abstracção tão subjectiva quanto individual “inventada” pelo
Romantismo, impossível de descrever, mas apenas de sentir.
Passadas as horas previstas para
esta visita relâmpago, era preciso descer às coisas práticas, como comprar os
souvenirs para Família e Amigos e aí encontrei um interessante interlocutor no empregado
de uma dessas lojas, com quem conversei sobre o assunto do momento – estávamos
a 4 de Junho de 2004 – o Campeonato Europeu de Futebol, então a decorrer em
Lisboa. Dizia o jovem ateniense que a Grécia não teria hipóteses com a nossa
equipa, altamente cotada e considerada quase invencível. Nesse mesmo dia
realizavam-se os quartos de final contra a Grã-Bretanha. Com um pouco de falsa
modéstia respondi-lhe, magnanimamente, que o resultado poderia ser inesperado...
Mal sabia eu o quanto seria!
E foi num avião da KLM, companhia
holandesa, que viajei para Amsterdão, e daí para Lisboa, ao som do relato do Portugal
– Inglaterra, com uma companhia maciça de portugueses embarcadas na Holanda,
mimados por uma tripulação que, ironicamente, viria a ver a sua selecção
derrotada por Portugal nas meias-finais efectuadas em 30 de Junho... Mas
naquele momento o que interessava era ultrapassar a comum rival britânica e
isso foi conseguido com um empate glorioso. Como agora sabemos, empates também
podem trazer glória... E foi num misto de satisfação com este resultado
futebolístico – eu, entusiasmado com o futebol! – e com a recordação daquela
semana magnífica passada entre Corfu e
Atenas, que adormeci pesadamente nessa noite... Confesso que estava
extenuado, mas muito, muito contente!
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