A Cidade das Flores - II
Carlos Rodarte Veloso
Publicado n’”O Templário” de
16-3-2017
Contra o longe das montanhas
cúpulas e torres recortadas
cintilam
enquanto mármore e bronze e água
brincam no azul
sobre praças e ruas
Florença, no centro da Toscana, que corresponde maioritariamente à antiga Etrúria, é considerada muito justamente a Cidade das Artes. Na verdade os seus monumentos, muitos deles considerados património cultural da humanidade, são desde logo dominados pelo inconfundível perfil de Santa Maria del Fiore (Fig.1) , o “Duomo” – designação italiana para as catedrais – junto à Torre de Giotto, sua torre sineira, e o Baptistério, ambos separados da catedral, como era uso em Itália.
A sua base românico-gótica vai ser enriquecida, no século XV, com a obra-prima de Filippo Brunelleschi – o arquitecto que introduz a perspectiva nas suas construções – a sua enorme cúpula, que só viria a ser ultrapassada em dimensões pela de S. Pedro de Roma, de Miguel Ângelo Buonarroti, no século seguinte.
Além das muitas igrejas, palácios, bibliotecas, museus e jardins integrados na malha urbana da cidade, muitos deles de arquitectos ilustres como o já citado Brunelleschi, Alberti, Miguel Ângelo, Vasari e tantos outros, e evitando assim, deliberadamente, um elenco exaustivo desses locais, focarei essencialmente alguns dos mais emblemáticos de Florença:
- O “Pallazzo Vecchio” (Fig.2), sede do governo autárquico da cidade – na Piazza della Signoria – centro cívico de Florença e verdadeiro museu ao ar livre de inúmeras obras escultóricas – uma estátua equestre de Cosme de Médici, a “Fonte de Neptuno”, o conjunto escultórico de “Hércules e Caco”, uma cópia do famosíssimo “David” de Miguel Ângelo, cujo original se encontra exposto no Museu da Academia – e também as que se encontram protegidas pela Loggia dei Lanzi: uns, são cópias de originais expostos noutros museus da cidade. Outros, originais, são, por exemplo, o “Rapto das Sabinas” e “Perseu com a Cabeça da Medusa”.
- a “Ponte Vecchio” (Fig.3) que, além da sua função como travessia do Rio Arno, e na sequência de outras pontes que, no mesmo local, desde a época romana, foram sucessivamente construídas e destruídas, foi, desde o século XIII, ocupada por tendas, lojas de artesãos, curtidores de peles, vendedores de peixe e, finalmente, talhantes e carniceiros. Estas indústrias artesanais despejavam os respectivos dejectos no Rio Arno, com as consequências nauseabundas que podemos imaginar. A venda destas instalações pelos poderes autárquicos, no final do século XV, na sequência de uma grave crise financeira, liberalizou a ocupação da respectiva via por novas construções, muitas delas em vários andares. Em 1593, expulsão dos talhantes da Ponte Vecchio, como forma de limitar o mau cheiro insuportável aí sentido, leva a legislar no sentido de as “botteghe” – lojas – passarem a ser ocupadas apenas pelos artesãos de mais alta qualidade e prestígio, ou seja, ourives e joalheiros. Este “saneamento” conduziu ao aspecto actual da ponte, ocupada por lojas dessa actividades em ambos os lados da via pública e que corresponde a um movimento de procura maciço pelos visitantes.
- os “Uffizi” (Fig.4) de Vasari. um dos melhores e mais ricamente recheados dos museus do mundo, iniciado por Cosme I de Médici como palácio governamental e alterado por seu filho, Francisco I de Médici, em 1581, para albergar a colecção de arte da família na loggia aberta que transformou em galeria. Este museu atrai multidões de estrangeiros, tornando-se, como é comum nestes movimentos de massas, o pretexto para uma simples – ou inúmeras – “selfies”, destinadas apenas à duvidosa notoriedade de provar que “eu já lá estive”, ou de vídeos, fotografias e outros meios transportáveis para os respectivos lares, onde cumprirão a sua desejada missão: bombardear familiares e amigos com resmas de imagens, nem por isso bem compreendidas, mas projectadas ao longo de chatíssimas horas de sacrifício para os felizes contemplados. Casamentos e outros eventos sociais são comuns naqueles espaços, cujo romantismo já não resiste ao aperto de multidões barulhentes, totalmente alheias à magia que – ainda – irradia daquelas pedras maravilhosas.
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