segunda-feira, 6 de março de 2017

PERSPECTIVA E “TROMPE L’OEIL” 
Carlos Rodarte Veloso 
(Publicado no Correio Transmontano, 28-2-2017) 


As artes visuais de há muito se notabilizaram pela imitação da natureza, o que conduziu à criação de estilos artísticos como o Realismo e o Naturalismo e, mais tarde, o Impressionismo e outras correntes estéticas que procuravam uma máxima aproximação à realidade através de múltiplos artifícios.
Não é uma novidade recente. Pelo contrário, as suas raízes estão mergulhadas na época do nascimento da arte, a Pré-História, cujos artistas pintavam e gravavam na rocha verdadeiros documentários das suas caçadas ou do que quer que seja relativo à fauna então existente. Essa procura de realismo levou-os a utilizar autênticas trucagens que só seriam recuperadas já no século XX, na banda desenhada e no cinema de desenhos animados, por exemplo com a multiplicação das patas dos animais em corrida ou representações sobrepostas simulando, por exemplo, movimentos simples da cabeça.
No entanto essa busca de fidelidade ao testemunho visual atingiu o seu máximo com a tentativa de representar a paisagem em termos de profundidade, em que os objectos ou outros elementos mais distantes do observador eram representados numa escala cada vez mais reduzida, perdendo-se na distância. As próprias cores utilizadas procuravam dar a medida dessa distância, simulando as impressões observadas pelo artista.
Esta tentativa de representar num suporte bidimensional plano uma representação tridimensional, vai conduzir à invenção da perspectiva, já observada ainda de uma forma rudimentar e empírica, em algumas pinturas mais tardias em vasos gregos áticos e, já com o possível recurso à geometria, nas famosas representações de jardins ou de edifícios nas paredes pintadas de “villae” romanas.
Esta novidade revolucionária proporcionava aos seus proprietários o recurso àquilo a que hoje chamamos “trompe l’oeill”, termo francês para este tipo de ilusão de óptica que vai converter paredes e tectos em espaços ilimitados, abertos a uma realidade que hoje chamaríamos virtual.
Depois do interregno medieval em que, por decisão ideológica da igreja católica, se perde grande parte das conquistas greco-romanas no domínio do realismo pictórico, o estudo geométrico rigoroso, portanto científico desta aparente transformação da realidade foi levado ao seu apogeu no Renascimento italiano, através da arquitectura de famosos mestres como Brunelleschi e Alberti e de pintores como Donatello, Piero della Francesca e seus seguidores, cujas conquistas atingiriam o seu clímax no Barroco e Rococó, já nos séculos XVII e XVIII.
Como base desta verdadeira técnica, encontra-se o estabelecimento de um “ponto de fuga” no qual convergiam todas as “linhas de fuga”, assim privilegiando o ponto fulcral da obra assim concebida.
Curiosamente é precisamente a igreja católica do Renascimento e períodos posteriores que vai proporcionar um ímpeto decisivo a este ressurgimento da arte da ilusão, agora com finalidades catequéticas e propagandísticas. Igrejas, palácios, bibliotecas, muros de jardins são agora decorados na sua área total com composições paisagísticas ou temas simbólicos e/ou miraculosos que rompem todas as dimensões e atingem uma mestria inigualável. Também os suportes dessas obras de arte abrangem novos materiais, como o estuque, a talha e o azulejo, este aplicado em Portugal no interior como no exterior de edifícios.

 LEGENDAS DAS FIGURAS:
1. “Rapto de Sarpédon”, pintura grega sobre cerâmica ática
2. “Jardim”, pintura a fresco de villa de Prima Porta, Roma
3. Brunelleschi, interior da igreja de S. Lourenço, Florença
4. Piero della Francesca, “Flagelação de Cristo”
5. Andrea del Pozzo, tecto da igreja de Santo Inácio, Roma
6. António Simões Ribeiro, tecto da Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra
7. Irmãos Zimmermann, tecto da igreja dos Peregrinos in der Wries
8. “Figuras de convite”, painel de azulejos, Palácio do Arcebispo, Stº Antão do Tojal, Loures









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