domingo, 7 de dezembro de 2014

O Templário, 4-12-2014

A paciência dos pacientes

Enquanto não é passada pelo governo a certidão de óbito ao Serviço Nacional de Saúde, os pacientes vão recebendo, a par de taxas moderadoras com prazo impreterível de pagamento e outros mimos associados aos cortes nas despesas com vacinas e medicamentos, uma autêntica bofetada na cara, não com luva branca, mas sob a forma de uma folha de papel A4, branco também.
Eu explico: Estava eu a inscrever-me para uma simples consulta, daquelas  que podem ser a diferença entre a vida e... algum desconforto, e chega-me à mão um folheto que, atenção, “é exclusivamente informativo e não implica qualquer pagamento” – uf, que alívio! – informando-me gentilmente da intenção de dar a conhecer aos utentes “a despesa com os cuidados de saúde disponibilizados pelo Serviço Nacional de Saúde”.
Fiquei assim a saber que as Altas Entidades que com o governo da Nação garantem “uma saúde pública e tendencialmente gratuita” neste nosso Portugal, são-me credoras de um valor acumulado de 31,00 euros, no ambulatório do hospital onde era atendido!
E eu a pensar que este mesmo governo que assim declara a sua generosidade para me proteger, era antes meu alto devedor, isto atendendo às múltiplas diabruras com que me tem assaltado o bolso, bem mais – e de que maneira!... – do que os mencionados 31 euros!
Já não basta sermos explorados até ao tutano em nome da boa saúde – esta tendencialmente bastante despendiosa – da banca privada e dos seus donos, que metem ao bolso quanto podem para depois o depositarem em paraísos fiscais ou no bolso dos amigalhaços e dos amigalhaços dos amigalhaços...
Já não basta o discurso da treta desta gente que jurou cumprir fielmente as funções que lhe foram  confiadas e ainda se gaba hipocritamente de melhorias absurdamente fantasiosas na saúde económica e social desta nossa Pátria tão traída, destes nossos concidadãos tão sacrificados!
Enquanto vão sendo vendidas em saldo as últimas jóias da República, por enquanto ainda independente. Diz-se.
Carlos Rodarte Veloso

domingo, 30 de novembro de 2014

O Templário, 27-11-2014
Restauração

A diminuição do número dos nossos feriados nacionais terá tido como critério, segundo o governo, a necessidade de aumentar a produção, motivo também do aumento das horas de trabalho nas empresas e no Estado. 
Como tais argumentos são acompanhados, em todos os tons, pela argumentação made in Germany  mas entusiasticamente aceite pelos nossos governantes, de que os Portugueses padecem de uma incontrolável preguiça – além de um desequilíbrio desenfreado no despesismo – não nos resta senão agradecermos a estes notáveis educadores a austeridade com que, sob todas as formas, nos venham a castigar.
E não posso, sob pena de acusação de facciosismo, lembrar os gastos sumptuários que se perpetuam no aparelho do Estado, as mordomias que campeiam por esses lados, a protecção paternal a bancos e banqueiros, o retrocesso civilizacional que representa o aumento dos horários de trabalho e a quebra dos direitos que nasceram da luta e do sacrifício de gerações e gerações de trabalhadores.
Não posso  sequer queixar-me da diminuição drástica dos feriados nacionais, especialmente dos de carácter cívico e patriótico, para não ser acusado de preguiça por essa boa gente que tanto trabalha para o nosso bem.
Mesmo assim, não resisto a dizer algo de minha justiça: Porque diabo é que o Dia da Restauração foi apagado do mapa dos feriados, como se a reconquista da independência de um povo fosse o equivalente a um dia comemorativo qualquer, entre as centenas que agora estão registadas no calendário?
 Parece-me que em termos estratégicos o governo acabou por reconhecer implicitamente a sua natureza antipatriótica, de submissão a interesses estrangeiros. Mesmo numa Europa unida – unida mesmo? – os valores nacionais continuam a ter um peso que leva a colocar em causa fronteiras outrora traçadas pela força das armas.
Escócia, Catalunha, País Basco, Irlanda do Norte, levantam a voz contra velhas opressões e o caso português de 1640 é bem próximo destes exemplos actuais de luta pela independência. Por isso, o Dia da Restauração é tão importante e indissociável da nossa identidade nacional.
Sendo assim, a atitude do governo ao recusar ao Dia da Restauração o seu carácter simbólico insubstituível, apenas revela o pavor de que esse exemplo recorde aos Portugueses que é possível e desejável lutar pela independência quando, num contexto de associação com outros países, somos explorados e humilhados. Como era o caso, nesses dias de domínio castelhano.

Lembremo-lo na próxima segunda-feira quando, passados 374 anos sobre a manhã gloriosa de 1 de Dezembro, teremos que ir trabalhar como em qualquer outro dia .

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

O Templário, 13-11-2014
A Festa de Finalistas

A campanha que o governo, o PSD e o PP iniciaram quase logo a seguir à vitória de António Costa nas Primárias do PS, prima por uma certa histeria, como se o pânico começasse a apoderar-se dessa boa gente que tanto tem feito pelo país.
Na verdade, já não há dia em que um ilustre deputado, um membro qualquer dos partidos da coligação, um governante até, no meio das suas declarações mais diversas, não dedique uma pausa a um ataque cerrado ao actual autarca de Lisboa.
Se não conhecêssemos a bravura desta gente que nos governa, o seu indefectível patriotismo que não cessa de oferecer a uma Europa – o que digo eu? – a um Mundo inteiro, que diariamente nos aconselha, ameaça, sugere, suspeita, ofende, a resposta digna dos nossos egrégios avós, quase diríamos que ... estão cheios de medo!
A actuação do ministro Pires de Lima no Parlamento, em tons de comédia bufa e, há quem o diga, alguma ingestão da tal substância que dá de comer a um milhão de portugueses, ficará como um marco na história parlamentar nacional. O tom chocarreiro com que se dirigiu aos deputados da nação pretendia revelar alguma ironia e imensa – oh! – imensa graça.
Tenho a certeza de que o digno governante passaria no teste do balão e que o arrazoado que tanto nos entusiasmou era apenas a prova de que, desde tenra idade, de pé em cima de uma cadeira, encantava todos os familiares com o seu talento histriónico. E fez mal em guardar tão encantadores dons da natureza. Os portugueses bem mereciam compartilhar com as suas tias e primos esses belos momentos da sua vida familiar.

Claro que todo o coro de censuras a António Costa fica um pouco prejudicado por esta genial prestação do ministro da Economia. De qualquer maneira, o espectáculo principal, a Festa de Finalistas que os membros deste governo estão a preparar, promete. As variedades já começaram e ainda falta quase um ano para o Baile de Finalistas. E que baile vai ser!

domingo, 26 de outubro de 2014

O Templário, 23-10-2014

O Património do nosso descontentamento

A lógica do poder não se aplica apenas em termos sociais, através do domínio de classes sobre outras classes, por outras palavras, dos ricos sobre os pobres, mas também através da aplicação dos hábitos de rapina dos países mais poderosos sobre os menos poderosos. Aliás essa exteriorização imperialista acaba por se reflectir no saque do património histórico e artístico dos dominados pelos dominadores.
Essa violência exercida sob os mais falsos pretextos levou a uma acumulação imoral de obras de arte extremamente significativas de culturas antigas nos grandes centros do poder das potências que as submergiram através do seu poderio militar ou económico.
Este domínio que “justifica” o roubo de tantas e tantas preciosidades, explica a riqueza do espólio dos grandes museus do mundo, tais como o British Museum, o Louvre, ou o Museu Egípcio e Pergamon de Berlim, isto para apenas citar alguns exemplos.
De facto, muitos dos bens culturais que ornamentam esses grandes museus foram pilhados sem piedade, muitas vezes com a conivência entusiástica das autoridades locais e a colaboração das próprias populações. Pela força, pelo dinheiro ou por interpretações dúbias da legislação, que não tinha ainda reconhecido a importância desse património, nem sequer o reconhecia como parte da identidade cultural.
Os frisos do Parténon, esculpidos por Fídias, foram serrados do grande templo de Atenas e transportados para Londres, por iniciativa do embaixador Lord Elgin, onde 160 metros dessa obra prima podem ser admirados no Museu Britânico. Os restos do friso, desprezados pelo diplomata, foi o que restou ao povo a que pertenciam.
O busto de Nefertiti, a esposa do faraó Aquenaton, obra-prima da escultura egípcia e mundial, pertence hoje ao museu Egípcio de Berlim, enquanto o Altar de Pérgamo, antiga colónia grega da Ásia Menor – hoje Turquia – está exposto, a par da Porta de Ishtar da famosa cidade de Babilónia – no actual Iraque – no Museu Pergamon também em Berlim.
No Louvre podemos admirar uma das estátuas mais famosas do mundo, a Afrodite de Milo, trazida daquela ilha grega, e o famoso Código de Hamurábi, da antiga Babilónia, enquanto no centro da Praça da Concórdia, também em Paris, está erigido um dos dois obeliscos que ornavam a entrada do templo egípcio de Luxor.
Durante as invasões francesas em Portugal, além das terríveis destruições efectuadas pelos soldados invasores em obras de arte diversas, como os túmulos reais de Alcobaça e da Batalha, em busca de tesouros imaginários, muito património foi roubado e transportado para França com a conivência dos nosso aliados britânicos... É muito provavelmente o caso do manuscrito da Crónica da Guiné, de Gomes Eanes da Azurara, mais tarde encontrado na Biblioteca Nacional de Paris.
Estes pequenos mas importantes exemplos dizem apenas respeito à apropriação  por países estrangeiros de património de países dominados em determinado momento da sua história. Mas também os grandes centros de cada país procederam e procedem de igual forma relativamente ao património das cidades e vilas da “província”, como acontece neste nosso Portugal.
Veja-se as obras expostas no Museu Nacional de Arte Antiga, em Lisboa: aí se encontra o quadro Martírio de S. Sebastião, de Gregório Lopes, encontrando-se no seu local original, a Charola do Convento de Cristo, uma cópia do mesmo. E o mesmo irá decerto acontecer com A Última Ceia, do mesmo autor, agora exposta no Museu Diocesano de Santarém, se não for cumprida a promessa de o mesmo ser devolvido no prazo de um ano ao local de onde foi abusivamente tirado, a Igreja de S. João Baptista... Isso depende inteiramente da vontade dos tomarenses, que deverão exigir o seu cumprimento.
Os argumentos que “justificam” os diversos saques, desde as melhores condições oferecidas para a conservação do património, ao investimento feito no seu restauro ou exposição ou, até, apoiados em legislação ultrapassada, são argumentos que não passam de desculpas de mau pagador, estribadas numa arrogância cultural a que não mais nos podemos resignar.

Carlos Rodarte Veloso

domingo, 19 de outubro de 2014

O Templário, 16-10-2014
 
Lições da História
A ausência de memória histórica marca perigosamente o pensamento político deste século ainda verde. Vive-se hoje o “aqui e agora” como a única realidade existente para a classe política, enquanto tudo o mais é vertido no caixote do lixo de um passado de cuja existência se parece duvidar.
Temos assistido ao retorno sistemático de soluções que noutro tempo se revelaram, não apenas erradas mas, por vezes, catastróficas. Parece que os (maus) exemplos de um passado nem por isso muito distante apenas serve para ornamentar as páginas dos livros de História, agora apenas úteis ao exibicionismo social de uns quantos snobes.
O liberalismo, não o político, entendido “à americana” – para os nossos vizinhos transatlânticos um sinónimo de “esquerda” - , mas o velho liberalismo económico da 1ª Revolução Industrial, é um desses casos. Criador de riqueza para os seus promotores, foi um terrível factor de opressão e de miséria para as classes trabalhadoras que, apenas com a sua luta e sua trágica participação em duas guerras mundiais, várias revoluções e muitos outros conflitos regionais, conseguiram ganhar reconhecimento e alguma justiça social. Esse facto foi de tal forma reconhecido, especialmente depois da terrível crise económica de 1929 e da sua superação pelo “New Deal” de Franklin Roosevelt, que durante anos o desacreditado liberalismo económico ficou praticamente esquecido sob o entulho das desgraças acontecidas.
Assim nasceu o “Estado Social” com as inúmeras reformas que, ao beneficiarem os trabalhadores, beneficiaram igualmente a sociedade no seu todo, insuflando-lhe vida e dinamismo e repartindo minimamente a riqueza global. A difusão desse benefício por um número crescente de países, trazia a esperança num mundo melhor.
Mas os antigos privilegiados que, nunca deixando e o ser, aspiravam a um controlo total do mundo, serviram-se das dificuldades de gestão de uma demografia explosiva, associada ao aumento da longevidade das populações e ao desaparecimento do Bloco de Leste que, apesar das terríveis contradições que encerrava, parecia equilibrar a situação a nível mundial. Ao invés de verem nessa situação um desafio para, através de uma mais inteligente gestão dos recursos, se conseguir uma mais igualitária distribuição da riqueza, procuraram, pelo contrário, ressuscitar o liberalismo económico, agora crismado de neoliberalismo, sofisticadamente servido pelo anteriormente execrado controlo estatal.
Pode dizer-se que as lições da História que comprovavam a falência do liberalismo económico foram de todo esquecidas, e as soluções encontradas pelas classes dominantes apenas agravaram as novas crises que depois foram surgindo em série, confiscando de forma imparável o que ainda restasse do moribundo Estado Social. 
É essa a realidade desta distopia em que o mundo se está a converter: o alargamento e aprofundamento do fosso entre os muito ricos e a massa cada vez mais imensa dos pobres. Esse fosso torna-se abismo e mais do que a uma diferenciação de classes, parecemos assistir antes a uma diferenciação de espécies biológicas. Parece que a ficção da Máquina do Tempo de H. J. Wells, com a espécie humana dividida entre Morlocks e Elois, os predadores e as suas presas, se concretizará num futuro não muito distante... A não ser que retomemos de vez o curso interrompido da marcha da Humanidade a caminho do Futuro.

Carlos Rodarte Veloso
O Templário, 2-10-2014
 
Descrédito e descaramento
A única palavra correcta e excessivamente bem-educada para o que hoje se passa neste governo que nos “governa” só pode ser descrédito. Quando vemos uma ministra da Justiça e um ministro da Educação a pedirem desculpas pelos erros crassos e o caos com que as suas acções afectaram a vida de milhares de Portugueses e, passados dias, tudo continuar na mesma, sentindo-se os altos responsáveis desobrigados de corrigirem rapidamente esses erros pelo simples facto de se terem desculpado, há outra palavra: descaramento!
E o que faz, entretanto, o mais alto responsável desse governo? Enrola-se em meias-tintas sobre a declaração de rendimentos que deveria ter entregue após o término do seu mandato como deputado. As dúvidas publicamente levantadas sobre uma possível acumulação do seu vencimento parlamentar com rendimentos provenientes de uma empresa particular perturbam claramente a sua olímpica arrogância perante quaisquer críticas: primeiro não se lembra e remete para a Assembleia da República o esclarecimento do caso, mas uma semana depois já tem a certeza de que nada recebeu dessa empresa, apenas o reembolso das respectivas despesas de representação (viagens, almoços, coisas dessas)... mas recusa-se a dizer qual a importância desses reembolsos ou a prescindir do seu sigilo bancário, para “não fazer o striptease dos seus rendimentos”...
Resta a hipótese improvável de o então deputado ter assim revelado o seu espírito altruísta ao trabalhar apenas “para aquecer”. As suas auto-declaradas mediania e ausência de ambição material empurram-no mais ainda para o paralelismo que parece cultivar desde o primeiro dia, até pela sua imagem de marca, com o velho senhor que governou Portugal ao longo de quarenta anos.
Poderíamos dizer que o governo está a entrar numa fase má, em que as coisas têm corrido mal, coitados! O pior é que os factos agora trazidos a público, o reconhecimento – finalmente! – de erros e a fragilidade da memória de Passos Coelho, são apenas a ponta de um gigantesco icebergue que está destruir o nosso país com a mais completa impunidade dos seus agentes. Mais cedo ou mais tarde, os sintomas zelosamente escondidos ao longo deste últimos anos, viriam ao de cima.
O Ensino, a Justiça e a Saúde, os maiores bens incrementados pelo 25 de Abril, estão a ser sistemática e cruelmente destruídos por estes autênticos agentes de interesses que vão muito para além daquilo que tróicas, banca, mercados e tudo o que nos tem oprimido lhes têm exigido. Por isso, não são as desculpas oportunistas de algumas figuras que excederam largamente a sua reserva de incompetência, ou as trapalhadas de um primeiro ministro bem menos cumpridor do que a sua máscara deixava transparecer, que vão modificar seja o que for no hediondo estado a que as coisas chegaram no nosso país.
Apenas o tão esperançosamente aguardado resultado das Primárias do PS alimentava ainda alguma esperança de uma reviravolta política que devolvesse ao nosso povo a capacidade de voltar a ter uma palavra a dizer sobre o seu futuro. E esse resultado excedeu todas as expectativas: um país inteiro veio trazer um ar de Abril a este Outono invernal, infernal. É a esperança o último dos bens, e dela nos vamos alimentar até que os resultados de um acto eleitoral que, adivinha-se, será muito, muito participado, comece a corrigir os muitos males de três anos de desgraça. Não de repente, porque os males são demasiados.
A unidade da Esquerda seria a cereja em cima do bolo, mas esse desígnio, historicamente tão difícil, revelou já alguns obstáculos, quando Jerónimo de Sousa, com o seu ar de profeta do Antigo Testamento, considera estas Primárias uma farsa! Qual Noé antes do Dilúvio, do alto da sua arrogância das certezas absolutas, continua a viver o sonho de alvoradas radiosas, orgulhosamente só, como o Outro. E como Passos Coelho!

Carlos Rodarte Veloso

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

O Templário, 18-9-2014
 
Primárias

As próximas eleições primárias no Partido Socialista serão, seja qual for o seu resultado, uma iniciativa que dificilmente deixará de ter consequências futuras na vida da nossa democracia. E nem é tanto pelas figuras em presença, muito menos por se tratar de uma fórmula existente noutros países, especialmente nos Estados Unidos da América, nem sequer pelas expectativas que o actual secretário-geral do PS, seu promotor, nelas punha.
Bem ou mal, os outros partidos dificilmente deixarão de considerar as vantagens e desvantagens eleitorais que esta novidade poderá constituir e também o perigo de, por comparação, serem considerados “menos democráticos” se não lhe seguirem o exemplo.
Seja como for, o confronto já existia antes destas anunciadas Primárias, e ele dar-se-ia em quaisquer circunstâncias. No entanto, o seu anúncio por António José Seguro, sendo as mesmas aceites pelos órgãos do PS, não legitima qualquer ataque a um adversário que nelas participe, para mais apodendo-o de “traição” e outros mimos.
A manifesta paciência de Costa perante as injúrias e o “muro de lamentações” de um muito in-Seguro opositor, a sua fuga à demagogia fácil de promessas a longo prazo, o rigor das respostas dadas, parecem indicar um legítimo vencedor.
A descarada manobra eleitoralista de pôr mortos a votar ou de tirar o direito de voto nas Distritais aos militantes que mais recentemente regularizaram as quotas do PS, parecem muito mal. Vitórias de Secretaria, diz-se no futebol. E a quem acusa Costa e os seus apoiantes de dividirem um partido vencedor, recordo que há vitórias e vitórias.
As vitórias de Pirro, como muito correctamente foi classificado o resultado das Eleições Europeias, é mais um prémio de consolação do que a solução que ambicionamos. É apenas o caminho aberto ao compromisso. Não ao compromisso, muitas vezes inevitável, de unir diferentes vozes, mas vozes próximas, numa aliança harmónica para o bem comum, mas à união contanatura dos predadores e das presas.
Quem se contenta com isto, não é o tipo de governante de que necessitamos neste momento extremo da nossa História. Se os outros partidos socialistas europeus tiveram piores resultados que o nosso, se calhar isso deve-se mais ao governo tão extraordinariamente mau que nos “governa” do que à excelência da Oposição.


Carlos Rodarte Veloso
O Templário, 11-9-2014
 
O Banco Bom e o Banco Mau
Não pretendo ironizar sobre as possíveis semelhanças entre os herdeiros do Espírito Santo – e aqui está outra interessante, embora blasfema, oportunidade de ironizar – e o polícia bom e o polícia mau  das técnicas de interrogatório que, diz-se, fazem parte da prática policial. Por isso não estabelecerei um tentador paralelismo entre a situação dos utentes do banco, vítimas apenas da sua ingenuidade, e a dos seus dirigentes, gente decerto irrepreensível e duma honestidade a toda a prova.
Foi decerto essa reconhecida honestidade que levou o mais alto magistrado da nação a convidar o povo português a confiar na instituição e a investir nela as suas poupanças, mesmo quando já soavam discretamente as sereias de alarme da bancarrota eminente. Os cidadãos que entenderam seguir esse conselho, só por má fé o podem agora acusar desse erro, que só poderá ser equiparado ao seu erro, ainda maior, de o elegerem.
O alto magistrado já nos habituou à sua finíssima intervenção nos momentos críticos da nossa história recente, assim comprovando as suas certezas absolutas em que, dizia ele, raramente se enganava. E já o demonstrava na sua anterior condição de primeiro ministro, quando legislava o fim de actividades marítimas tradicionais como a pesca e a marinha mercante que, agora como Presidente da República, considera essenciais à nossa sobrevivência como Estado.
Tanta coerência quase nos faz esquecer o despesismo de que o seu magistério é acusado, decerto injustamente, visto que bem conhecemos as suas aflitivas queixas quanto às dificuldades domésticas que os seus parcos rendimentos lhe fazem sentir. Nem podemos pôr em causa o seu patriotismo quando em 2010, viu Portugal ser enxovalhado publicamenente pelo presidente da República Checa, sem ter aberto a boca para defender o nosso país. Na verdade a sua cuidada educação, o seu cavalheirismo, não permitiriam uma miserável peixeirada num local público, ainda por cima internacional. Assim é Portugal, terra de honra, mas também de educação. Ainda hoje a sua atitude de firme silêncio, deixa envergonhado todo o povo checo.
Voltando ao agora falecido Banco Espírito Santo, assisto emocionado à originalíssima estratégia dos nosso governantes, a dividirem o mal pelas aldeias: de um lado, o Banco Bom, aquele que vai render mais uns milhões para o Estado arrecadar no tal cofre sem fundo que sempre tem disponível para os outros bancos, bons e maus, a que se juntará alguma coisinha dos contribuintes, no caso de qualquer das habituais derrapagens. E o Mau, enfim, vai para o inferno dos paraísos fiscais... Esta frase até tem a sua piada.

Carlos Rodarte Veloso

O Templário, 4-9-2014


Voltaire e a Tolerância

Não foi inventada por Voltaire, mas foi ele quem, no século XVIII, considerou a Tolerância como a mais perfeita forma de relacionamento intercultural da humanidade. Foi-lhe atribuída, correctamente ou não, a frase: “Posso não concordar com uma única das tuas palavras, mas defenderei até a morte o teu direito de dizê-las.”
Ao combater todas as atitudes de hostilidade para com outras culturas, especialmente nos aspectos político e religioso, foi um precursor do pensamento democrático moderno que, apesar dos crimes contra essa mesma tolerância cometidos durante a Revolução Francesa, muito contribuiu para o seu triunfo.
Essa contradição com o pensamento revolucionário resumido na máxima Liberdade, Igualdade, Fraternidade é, no fim de contas, o paradigma humano de todas as revoluções, momentos de excepção em que os princípios são frequentemente traídos pelos meios considerados necessários para a sua concretização.
É evidente que o próprio conceito de tolerância entra em choque com o da igualdade, pois ninguém tem que tolerar os seus iguais. “Tolerar” contém em si a ideia da superioridade de quem tolera. No entanto, nunca como hoje, passados dois séculos e meio sobre a publicação da sua obra intitulada Tratado sobre a Tolerância, se sente tão dramaticamente a necessidade dos ensinamentos deste autor aparentemente desactualizado.
Em todos os quadrantes do Mundo de novo se cerram fileiras em nome de princípios religiosos, rácicos ou nacionais, como forma de perseguir minorias – muitas vezes nem sequer muito minoritárias – cujas ameaçadoras diferenças em relação à ordem estabelecida podem assentar apenas numa diferença no trajar, ou na forma de orar, ou na língua, ou na cor da pele… Tão ridículo como isso!
E é bom relembrarmos, algumas das palavras que Voltaire coloca na boca de uma das personagens do seu “conto filosófico” Micrómegas, sobre a chegada à Terra de dois gigantes extraterrestres. Estes, ao examinarem com uma lupa um navio que atravessava o Oceano, para eles apenas um pequeno charco, tentam saber alguma coisa das relações entre os terráqueos, para eles quase micróbios.
A resposta de um dos tripulantes, por acaso um sábio, é muito esclarecedora: “Sabei, por exemplo, que neste momento, cem mil doidos da minha espécie, que usam chapéu, matam cem mil outros animais que usam turbante ou são massacrados por eles. Por toda a Terra é assim que se procede desde tempos imemoriais.”
E assim continua a ser, com as necessárias modificações nos adereços, de acordo com novas épocas. Mas, no fundo, continuamos a nossa marcha de exércitos de micróbios a caminho da destruição.


Carlos Rodarte Veloso


O Templário, 28-8-2014
 
O século XXI
Os historiadores das mais diversas tendências são quase unânimes em afirmar que o século XX só teve o seu início com o desencadear da 1ª Guerra Mundial, em 1914.
Esse terrível conflito global, o primeiro que mereceu a designação de mundial, alterou radicalmente todo um estilo de vida, redimensionou a geografia política e social do planeta e preparou, com as medidas tomadas durante o armistício, não apenas o maior de todos o conflitos, como todos os outros terríveis confrontos regionais que ensanguentaram o século.
Em vésperas da chegada ao século XXI, a queda do Muro de Berlim e a dissolução do império soviético pareciam apontar para um futuro radioso, de paz e prosperidade, quase esquecidos já os motivos de divisão que na Europa e no mundo tinham provocado tantos anos de guerra.
Ingenuidade das ingenuidades, pois os motivos básicos dos conflitos se mantinham de pedra e cal:
- uma geografia política traçada a régua e esquadro pelas potências mais poderosas, mantendo dentro de fronteiras artificiais diferentes povos, por vezes inimigos, tanto na Europa dos impérios, como num Terceiro Mundo em ebulição crescente;
- o domínio do mundo por poderes económicos apátridas, cada vez mais afastados dos interesses nacionais e completamente alheios às mais elementares regras de humanidade;
- um fosso cada vez mais profundo entre as classes sociais desfavorecidas e os ricos, do mesmo modo que entre os países mais pobres e as grandes potências.
Quando às diferenças apontadas se somam diferenças culturais profundas, agudizadas por conflitos religiosos ainda latentes, temos reunidas as condições para o regresso a um passado que parecia enterrado pela História. E ressurge o espírito bélico que conduziu no passado às guerras religiosas e hoje conduz à expansão extremista de uma guerra santa que, de novo, poderá incendiar o mundo.
Radicalismo religioso, pobreza, desumanidade, domínio impiedoso do capital, tudo se reúne para compor o quadro que, adivinha-se, de novo conduzirá a uma guerra global. E isto num tempo em que pareciam superados todos os limites materiais à evolução da Humanidade!


Carlos Rodarte Veloso

sexta-feira, 5 de setembro de 2014


    O Templário, 7-8-2014
 
Os direitos dos animais

A recente aprovação na Assembleia da República de uma lei de criminalização de maus tratos a animais, parecia trazer a um mundo baseado no direito discricionário dos seres humanos sobre todos os animais, finalmente, uma luz de verdadeira humanidade.
Enganava-se quem o pensou, porque para além da correctíssima defesa dos direitos dos animais de companhia, a douta assembleia engasgou-se e excluiu da lei a defesa dos animais utilizados em espectáculos, mormente aqueles que sofrem verdadeira tortura ao serem crivados pelo ferro de farpas e outros objectos perfurantes, tudo para a duvidosa satisfação de um público ávido de sangue, que mais parece ter saído das bancadas das antigas arenas romanas.
Claro que estou a falar de um tabu português, melhor, ibérico: as touradas. É evidente que trazem divisas, alimentam o turismo e, principalmente, exibem a coragem do bicho-homem, assim glorificado pela utilização da inteligência no patamar mais baixo em que jamais foi utilizada: a crueldade.
Esta luta, aparentemente equilibrada, apenas revela a “superioridade” de um intelecto que criou as regras de um jogo que não é entre iguais e se permite julgar da “nobreza” de um animal através de uma manifestação de estupidez: marrar na capa, em vez de na figura... Se fosse o touro a julgar, se calhar premiava o bicho que primeiro espetasse nas suas pontas o corajoso adversário.
É sem dúvida uma vergonha a permanência, nestes dias supostamente civilizados, de um espectáculo bárbaro cujos defensores, ainda por cima, não hesitam em exercer violência sobre os seus detratores. É vê-los a carregar, a cavalo ou de carro, sobre manifestantes anti-tourada e, mais incrível, declararem a sua “razão” com base na “provocação”!
O lobbie pró-tourada é muito forte, já não pelo número dos seus apoiantes, mas pelo poder económico e/ou político que tem por trás. A tibieza do Parlamento prova-o.
No entanto, outras excepções a esta lei histórica demonstram o muito que fica por fazer: a caça, esse “desporto” tão popular, o sofrimento desnecessário no abate de animais nos matadouros, as condições desumanas dos aviários...
E no entanto, incrivelmente, um partido surge a votar contra uma lei como esta, tão tímida na defesa dos animais: o PCP, que considera as penas desproporcionadas! Se calhar, dez pais-nossos e dez avé-marias seriam o suficiente para penalizar os infractores...
Afinal, no meio disto tudo, quem são os animais?

Carlos Rodarte Veloso



sexta-feira, 5 de Setembro de 2014




REGRESSO À CINZENTA REALIDADE

Quase três anos passaram desde a minha última intervenção, sem que os temas que então nos preocupavam tivessem mudado significativamente. A nível nacional as coisas quase estagnaram e a crise então vivida mantém-se, apesar dos cantos de sereia dos nossos governantes nos asseverarem o contrário. Uma mudança significativa numa esquerda que teima em desunir-se é a frágil esperança que ainda resta a quem anseia por uma restauração dos ideais de Abril e da independência nacional. 
No exterior, a deterioração da situação internacional atinge um ponto de quase rotura em várias frentes: as do costume, no Próximo e no Médio Oriente, onde se defrontam fundamentalismos religiosos agravados pelo aparecimento de um auto-denominado califado que pretende reconstruir o império muçulmano da Idade-Média, com a agravante de reivindicar o nosso pedaço de terra e o dos nossos vizinhos para reconstruir al-andaluz... A sua selvajaria parece não conhecer limites.
Como novidade, em jeito de regresso à Guerra-Fria, a Rússia tenta reconstruir o antigo império à custa de pedaços de uma Ucrânia que lhe parece demasiado atraída pelo Ocidente e pelo euro, enquanto o petróleo e a situação estratégica da Crimeia já levaram ao acto consumado de uma anexação que dificilmente poderá ser revertida. O que mais virá está prenhe de ameaças à paz mundial.
Entretanto, o referendo agendado na Escócia com vista à sua possível independência, poderá relançar velhas aspirações autonomistas em países como a Espanha multinacional... e ainda monárquica.
Estes e outros temas serão retomados, nomeadamente através da publicação de alguns artigos de minha autoria recentemente publicados no jornal O Templário.