quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017


A MULHER NA ARTE - I
Carlos Rodarte Veloso
Publicado n’”O Templário” de 16-2-2017





                A Arte, para além do processo criativo que representa, transmite, frequentemente, mensagens cifradas que veiculam padrões de pensamento e de comportamento dos seus autores e da época em que viveram. O estudo dessas imagens, a Iconografia, e dos seus vários níveis de significado, a Iconologia, não são ciências exactas. Embora muitos dos símbolos que fazem parte do código utilizado ainda hoje se mantenham actuais, outros têm agora um significado muito diferente daquele que tinham na época em que  foram produzidos, que só podemos apreender — quando isso é possível — através do estudo da história e da evolução das mentalidades.
                A sociedade dominada pelo poder masculino sempre mostrou uma tendência, que se agravou com o tempo, de retirar à mulher toda e qualquer capacidade de actuar sobre o mundo exterior à família. À mulher, ser criador por excelência, restavam a procriação e as actividades artesanais domésticas, únicas funções vedadas ao sexo masculino, a primeira por motivos biológicos, as outras por interdito social …
                Não podendo ser habitualmente agente das artes ditas “maiores”, a mulher torna-se, em todo o mundo, o motivo inspirador de gerações de artistas e escritores, que nela exaltam o “eterno feminino”. Em pintura ou escultura, em busto ou em corpo inteiro, ricamente vestida ou desnudada, ela é rainha ou camponesa, santa ou pecadora, deusa ou mulher comum, muitas vezes simples alegoria, quase sempre símbolo de beleza mas, por vezes, da fealdade mais repugnante…
                A maneira de encarar a mulher ao longo do tempo não se modificou significativamente senão na Alta Idade Média e nas últimas décadas do século XX. Por isso tem um interesse muito especial, para entendermos essa lentíssima evolução do pensamento, o estudo das obras de arte que integram figuras femininas. Por outras palavras, a Iconografia feminina.
                Depois dos primeiros séculos da Antiguidade e de uma evolução lenta mas sólida da representação humana (Fig. 1 – “Jovem leitora” - cópia romana de estatueta helenística), a Alta Idade Média,  ao desprezar o corpo humano, como “porta do demónio”, do mesmo modo desvaloriza a beleza humana, especialmente a feminina, regressando a formas de representação totalmente arcaicas.
                Com a Baixa Idade Média e, especialmente, o Renascimento (Fig. 2 – “Nascimento de Vénus” de Botticelli) e outras correntes apontando o caminho ao realismo e ao naturalismo, assiste-se à produção de obras-primas de enormíssima qualidade, tendência que se mantém até ao final do século XIX (Fig. 3 – “Madonna do Loreto” de Caravaggio).
                O século XX, com o aparecimento de uma número impressionante de novas correntes artísticas, na maioria com tendência para novas perspectivas da representação da realidade, vai alterar todos os dados estéticos até então em vigor (Fig. 4 – “Les Demoiselles d’Avignon” de Pablo Picasso). O abstraccionismo representa o último (?) passo nesta fuga deliberada a qualquer identificação entre a Arte e a Natureza.

                Isso não impede que se mantenha, em muitos artistas, para além das modas, muito do ideal que norteou a busca da beleza – ou do seu contrário – desde tempos imemoriais.

Sem comentários:

Enviar um comentário