quinta-feira, 31 de agosto de 2017


OS RATOS ESTÃO A SAIR DAS SARJETAS

Carlos Rodarte Veloso

(“O Templário”, 31 de Agosto de 2017)

O título deste artigo não é meu, é uma frase de Jossa Bentja, alemã de 64 anos de Koblentz, citada no excelente texto de Mafalda Anjos directora da “Visão” – “São Ratos” – publicado no último número daquela Revista.
Na verdade a  autora desta frase, cuja família foi vítima do Holocausto, completa-a com algo mais específico: “Trump tornou-o socialmente aceitável”. Que melhor prova desta acusação do que o “perdão” concedido pelo presidente estado-unidense ao “xerife mais duro da América”, como é conhecido Joe Arpaio, perseguidor impiedoso de imigrantes latinos, recuperador de obsoletas regras presidiárias especialmente duras para com as mulheres, fanático oponente de Barak Obama a quem acusa de não ter nascido nos EUA? Pois o sr. Trump fez retirar todas as bem merecidas acusações contra este bandido, classificando-o como “patriota americano”!
O apoio envergonhado de Trump à miserável manifestação supremacista branca, pró-nazi, realizada em Charlottesville, que culminou no criminoso atropelamente de grande número de participantes da contramanifestação organizada pelos defensores dos direitos cívicos, que causou a morte de uma das manifestantes e múltiplos feridos, é comprovado pela sua patética declaração que põe em pé de igualdade este grupo racista dito “Far Right” e os seus adversários. Dizia ele “haver ódio de muitas lados”... Só dias depois, claramente pressionado pelos seus indignados apoiantes republicanos, se referiria criticamente aos pró-nazis como os responsáveis por este atopelo à Constituição dos EUA!
É curioso como este tipo de atropelamente colectivo que temos visto como imagem de marca dos criminosos do autoproclamado “estado islâmico”, desde Nice a Barcelona, ao ser perpetrado por “gente” da extrema-direita deixa de ser classificado como aquilo que claramente é, ou seja, terrorismo puro e simples.
Há portanto um abandono descarado da decência nas declarações públicas deste péssimo presidente, inimigo confesso da liberdade de expressão e inventor das “verdades alternativas” como antídoto do desmascaramento das suas constantes mentiras.
Ele tornou-se o líder de todos aqueles que, em todo o mundo  e especialmante na Europa, procuram regressar a uma política retrógrada e reaccionária que põe em causa todos os direitos cívicos adquiridos desde a 2ª Guerra Mundial e, especialmente, desde a constituição da União Europeia. Uma política negacionista das gravíssimas alterações climáticas e do desastre ambiental que tão evidentemente sentimos em todas as latitudes.
Ele é o par de Marine Le Pen e de todos os seus clones europeus, enquanto insiste na “teoria” da ameaça da imigração e na defesa do famoso “muro” com que pretende conter a “ameaça mexicana”. Ele é o  provocador incansável de todos os estados que se situam fora da sua esfera de influência, ameaçando-os pateticamente do “ferro e fogo” bíblicos, ao mesmo tempo que exibe os seus brinquedos bélicos, tão ao gosto dos governos totalitários. Ele partilha uma estranho “amor-ódio” com Putin e contraditórias ligações com uma China que hoje revela muito maior equilíbrio nas relações internacionais do que os EUA.
O contágio da retórica de extrema direita de Trump já infectou alguns elementos da direita portuguesa, caso do candidato à autarquia de Loures, André Ventura, cujas declarações racistas põem a nu as suas tendências, a ponto de o CDS lhe ter retirado o apoio nas próximas eleições! É curiosíssimo vermos o PSD a ser ultrapassado pela esquerda pelo CDS de Assunção Cristas, enquanto Passos Coelho lhe mantém a confiança política... Passos Coelho que, em declaração pública, diz não querer “qualquer um” a viver em Portugal. Isto num contexto de imigração! “Les bons esprits...”
Até um eurodeputado do PS, Manuel dos Santos, é sujeito à crítica mais contundente de António Costa e do seu partido, sendo-lhe retirada a confiança política, por ter utilizado a “acusação” de “cigana” contra a deputada e candidata socialista à Câmara Municipal de Matosinhos Luísa Salgueiro. Esta atitude configura uma posição claramente racista e xenófoba, incompatível com os valores da esquerda que o PS defende.
Além destes exemplos vergonhosos, nos media, nas redes sociais e em declarações públicas de outros líderes políticos, o alvo a  abater parece ser o “politicamente correcto” isto é, a contenção de quaisquer declarações que contribuam para diminuir ou insultar minorias étnicas, religiosas, sexuais ou outras quaisquer. Em suma, o que aqui se ataca, cada vez mais, é o respeito pelo “outro”. É, no fundo, um regresso aos velhos tempos em que os insultos eram “autorizados” pela prática social.
Por isso, lembro aqui as primeiras palavras de uma famosa declaração do filósofo Karl Popper no final da 2ª Guerra Mundial: “A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância”.

Liberdade para todos, sim, mas também para os inimigos da Liberdade?

domingo, 27 de agosto de 2017


A MANIFESTAÇÃO NEO-NAZI EM CHARLOTTESVILLE E O APOIO DE TRUMP AOS SAUDOSISTAS DA "CONFEDERAÇÃO", DOS SEUS SÍMBOLOS E "HERÓIS".



sexta-feira, 25 de agosto de 2017


POR QUEM OS SINOS DOBRAM

Carlos Rodarte Veloso

(Publicado no “Templário” de 24-8-2017)

A sinistra contabilidade das vítimas de atentados reivindicados pelo auto-denominado “estado islâmico” continua a crescer, desta vez na Catalunha, tudo levando a crer na extrordinária “sorte” de o número de vítimas ser bem inferior ao “projecto original” da carnificina gizado numa aparentemente inocente moradia na cidade de Alcanar por uma célula daquele movimento terrorista.
Considero-me dispensado de explanar os antecedentes, resultados e investigação em curso relativa a mais este sangrento episódio do terrorismo, já noticiados e dissecados repetidamente e até ao mais ínfimo pormenor pelos media, ao ponto da saturação dos respectivos utentes.
A Catalunha está de luto mas não baixa os braços: cada atentado parece aumentar a força anímica das populações atingidas, em vez de atingir o alvo pretendido, ou seja, aterrorizá-las e paralizá-las.
Como sabemos, o dito “estado islâmico”, ao mesmo tempo que sofre derrota militar atrás de derrota no Médio Oriente, organiza-se cobardemente através de células terroristas nos países europeus onde criou raízes através de uma população islâmica radicalizada já de segunda geração.
Por isso, nenhum país está livre destes atentados, Portugal incluído, já que faz parte em conjunto com a Espanha, do antigo Andaluz, o território ibérico conquistado pelos muçulmanos a partir de 711 e só libertado totalmente a partir de 1492, com a reconquista cristã de Granada.
Esse histórico parece autorizar o “estado islâmico” a ambicionar o regresso da Península Ibérica à mãos de um qualquer califado, descendente dos de Damasco, Bagdad ou  Córdova. Mais que “autorizar”, representa um objectivo primordial para os loucos fanáticos do “estado islâmico”, como base para mais altos voos que, a cumprirem-se, representariam a gradual conquista do mundo e sua islamização.
Portugal, pelos seus referidos antecedentes históricos e devido à sua posição geo-estratégica e política é por isso um possível alvo da demência do fundamentalismo  islâmico.
Por isso é fundamental mantermo-nos vigilantes nesta verdadeira guerra interminável que travamos, não partindo do cómodo princípio de que “só acontece aos outros”.
No entanto, Portugal está a braços com o que parece ser também uma forma de verdadeiro terrorismo, este não organizado a  partir do exterior, mas através do que tudo indica ser uma verdadeira organização de incendiários, decerto pagos pelos grandes interesses associados à produção da celulose e papel, em desespero perante a anunciada legislação limitativa da plantação de eucaliptos.
Esta suspeita, aliás partilhada actualmente por um número crescente de portugueses, será uma explicação óbvia para a verdadeira explosão de fogos-postos que têm assombrado o trabalho da defesa civil, dos bombeiros e das forças policiais e militares.
Por falar dos interesses das celuloses, estas são evidentemente inimputáveis porque os seus responsáveis jamais sujariam as mãos em actos criminosos. Esses interesses estão claramente associados aos interesses políticos de uma Direita ressabiada e desesperada perante a proximidade das Autárquicas que provavelmente constituirão verdadeiro desastre para as suas ambições eleitorais.
Fogos e mais fogos dando a ideia de um país desgovernado e descontrolado, criam as condições ideais para um verdadeiro golpe de Estado apoiado nos numerosos órgãos de comunicação social a ela enfeudados.
Estas suspeitas serão exageradas, porventura paranóicas, uma verdadeira teoria da conspiração? A verdade é que muitos bombeiros, populares e outras entidades envolvidas no combate aos fogos não encontram outra explicação para a visível coordenação no terreno dos acendimentos e reacendimentos de fogos, às horas menos propícias à sua propagação e ainda por cima em locais apenas afastados por distâncias regulares e síncronas.
A serem verdadeiras, estas suspeitas configurariam estes actos como verdadeiros atentados terroristas e crimes de traição à Pátria.
Por isso espero que seja revista toda a legislação de repressão contra os incendiários, equiparando-os aos criminosos homicidas e interditando todas as atenuantes em uso, que os libertam ao fim de pouco tempo de detenção.

Creio que o risco de pesadas penas, de 20 ou 25 anos, disporia estes miseráveis a não assumirem sozinhos tão graves responsabilidades, assim denunciando os cobardes mandantes dos seus crimes. 

VIGO E AS RIAS BAIXAS

Carlos Rodarte Veloso

(Publicado no "Correio Transmontano", 24-8-2017)

            Se há regiões de Espanha em que nos podemos sentir “em casa”, a Galiza é a primeira entre todas. Herança comum é a luta pela afirmação de uma identidade política e cultural face ao resto da Espanha — Castela… — e de uma língua, o Galaico-Português, com que foram escritos alguns dos mais belos poemas medievais peninsulares, como os de Martin Codax, de Vigo, cujo lirismo mantém toda a frescura das coisas intemporais:
                                   “Ondas do mar de Vigo
                                   se vistes meu amigo
                                   e ay Deus, se verra cedo! […]”


           E é com Vigo, precisamente, que os portugueses têm uma relação mais próxima. Situada na província de Pontevedra, é hoje a maior cidade galega e o seu desenvolvimento atrai turistas portugueses em busca de compras no comércio local, em que se destaca os armazéns do Corte Inglés, mas a cidade, embora de imagem moderna, tem bem melhores motivos para merecer uma visita.

            Para começar, a sua modernidade aparente esconde um passado conflituoso de que muitas das suas construções foram vítimas. Assim aconteceu com a mais importante, a Igreja Colegiada de Santa Maria, construída na Idade Média, destruída pelo corsário inglês Francis Drake no século XVI e reconstruída muito mais tarde, no estilo neo-clássico. Atacada e algumas vezes pilhada ao longo dos séculos, viu-se assediada por Normandos, Muçulmanos, Turcos, Portugueses, Ingleses e Franceses…
Conheceu também a peste e várias guerras civis. As suas largas avenidas não ostentam sinais do passado, mas pode-se admirar, entre outros, o notável conjunto escultórico moderno da Praça de Espanha, Os Cavalos  de Juan José Oliveira, que parecem elevar-se ao céu numa espiral de bronze. Para encontrar o seu passado, nada melhor que visitar o Museu Quiñones de Léon onde, a par de obras de arte de várias épocas, se encontra os vestígios de uma pré-história que tem muito de comum com a do Norte dePortugal, nomeadamente com os seus castros célticos e os espigueiros a que os galegos chamam “hórreos”.
            Do alto do seu mirante da colina de O Castro, na cidade e, especialmente, do Mirador da Madroa, nos arredores, domina-se o panorama da Ria de Vigo, uma das Rias Baixas e o seu maior motivo de orgulho. É que falar das Rias Baixas é falar da relação íntima dos Galegos com o Atlântico, do seu poder piscatório, do seu desenvolvimento industrial e comercial, e da gastronomia em que predominam os mariscos e outros produtos do mar. Mas, acima de tudo, falar delas é falar da beleza esmagadora dessa entrada profunda do mar entre colinas arborizadas, praias a perder de vista e, frequentemente, a névoa que tudo envolve num manto de poesia.

            Citando o grande escritor e pensador Unamuno, “dão as Rias Baixas a impressão de lagos semeados de ilhas. Uma faixa de terra cobre por todos os lados o horizonte destes tranquilos remansos do oceano. As inúmeras pequenas povoações das suas margens reflectem-se na água e em dias claros é como se as colinas e montanhas, revestidas de verdura, estivessem suspensas do próprio céu, que no seio da água se reproduz. Dorme o mar e talvez sonhe, nos braços da terra."

sábado, 19 de agosto de 2017


TRAQUINICES APOCALÍPTICAS

Carlos Rodarte Veloso

"O Templário",  17-8-2017
A escalada de violência verbal entre Donald Trump e Kim Jong-un poderia até ser divertida dado o comportamento infantil dos dois “líderes”, que recordam, pelo seu comportamento irresponsável, dois miúdos mimalhos do Ensino Básico que se ameaçam mutuamente de se esganar assim que chegar a hora do recreio...
Mas as coisas são muito menos divertidas, dados os meios de que dispõem estes dois “miúdos”, doidos varridos, desejosos de experimentar os seus perigosos brinquedos, nada menos do que mísseis com ogivas nucleares e todo um acompanhamento de meios navais e aéreos, capazes de derreter países e populações num abrir e fechar dos olhos.
A pequena ilha de Guam, hoje possessão norte-americana do Pacífico, à distância de 3000 quilómetros da Coreia do Norte, é o alvo escolhido pelo ditador de Pyongyang para bombardear com três ogivas nucleares, que assegura estarem quase prontas e disponíveis para disparar em meados deste mês de Agosto... É esta a resposta “musculada” à parafernália de ameaças de Trump, recheadas com “fogo e fúria como o mundo nunca viu”, discurso com ressonâncias bíblicas porventura inspirado no “Apocalipse segundo S. João”-
Se tudo se ficar pelas palavras, como a maioria da população mundial espera e tem sido a experiência conhecida, esta seria apenas mais um episódio caricato da relação entre estes dois “bebés gigantes”.
No entanto, nunca como agora foi pormenorizado e programado de tal maneira um plano de ataque e aniquilamento de uma ilha habitada por 162 000 civis e 6000 militares, com a frieza que só os hábitos totalitários do seu autor explicam.
Entretanto, do outro lado, não vemos em Trump a consciência de que o diálogo poderia estancar esta ameaça, como acontreceu no já longínquo ano de 1962, quando os dois verdadeiros líderes mundiais que foram John Kennedy e Nikita Krushchev evitaram à justa uma guerra mundial, durante a famosa “crise dos mísseis de Cuba”. Mas ambos revelaram a vontade de salvar o planeta e fizeram-no através do diálogo  e de mútuas cedências.
Como nota de rodapé, a ilha de Guam foi descoberta pelo português ao serviço de Espanha, Fernão de Magalhães, em 6 de Março de 1521, durante a primeira viagem de circum-navegação deste planeta. As vicissitudes geo-políticas transformaram-na, nos nossos dias, numa possessão norte-americana, tal como Pearl Harbour, cujo bombardeamento nipónico levou à entrada dos EUA na 2ª Guerra Mundial. Estes paralelismos históricos lembram ainda uma das cidades japonesas destruídas com bombas atómicas, a cidade de Nagasáqui, tal como Guam, ligada de algum modo à expansão marítima portuguesa. Será que a História se repete?
Faltam apenas uns dias para “os meados de Agosto”, e a concretizar-se a ameaça norte-coreana, será impossível estancar as consequências desse ataque e das represálias com que o outro “puto” se prepara para incendiar o Pacífico. Algumas cidades destruídas, uma Coreia do Norte arrasada, dirão os mais optimistas...

E a radioactividade residual, arrastada pelos ventos e as correntes marítimas para todo o mundo, o consequente reforço do aquecimento global e os danos indirectos, materiais e humanos nos países da área dos ataques nucleares? Pelos vistos nada disto conta, excepto o gigantesco ego de um pseudo-líder que, não conseguindo exercer a sua chantagem no seu próprio país o faz a nivel global. À nossa custa!

MANUSCRITO, UMA PÁGINA AUTOBIOGRÁFICA

1º ANDAMENTO
Tomar, 26 de Agosto de 2009

Pego hoje neste caderno, que me foi oferecido há já 2 ou 3 anos, para dar uso a um modo de escrita de que quase me esquecera: o manuscrito.


O computador quase me tirou o uso da caneta e a verdade é que gosto de digitar tudo o que escrevo, apesar do muito que logo lanço no misterioso abismo electrónico do “lixo” a cada correcção, a cada frase que me soa mal.
Mas a correcção só actua sobre a última versão: todas as outras se perderam para sempre na voragem dos pixéis ou seja lá do que for. De facto é muito mais “limpo”, mas perde-se o direito de regressar – e melhorá-la – à última, à penúltima, à antepenúltima tentativa, essa talvez a ideal...
Hoje apeteceu-me saborear essa possibilidade que tão bem conheci nos tempos a.C. (antes do Computador), o saboroso, húmido deslizar do aparo no papel, liso como uma pista de gelo.
É bom redescobrir coisas antigas, conservadas apenas na memória que se vai dissolvendo no correr dos dias. E pegar na caneta, pesada como já não me lembrava, e apurar a velha linha sinuosa, agora um pouco trôpega.
As centenas de assinaturas e rubricas que tenho sido obrigado a traçar, mecanicamente mas nunca iguais e cada vez mais ilegíveis, não são já escrita: são uma impressão menos perfeita que a digital, essa sim, sempre igual, exactamente igual, mas tão pouco criativa como esta.
Sobre este caderno também alguma coisa deve ser dita: é encadernado  com a impressão em relevo de escritos de Shakespeare. Homenagem ao Poeta, Dramaturgo, Actor? Ou a simples presunção de ascender a esse clube restrito de que ele foi um dos maiores?
O que já escrevi – e até foi publicado – é demasiado pobre e, se a inspiração tem sido pouca, a transpiração foi ainda menor. Faço votos para modificar isso.
Vou continuar com o computador, porque me agrada e porque só assim consigo ler facilmente o que escrevi. Penso que agarrei esse defeito da pseudo-vocação para médico que noutra era da minha vida pensei possuir, a caligrafia quase ilegível que, diz-se, é apanágio de todo o verdadeiro diplomado em ciências médicas.
Mas outra vocação se escondia por debaixo da declarada oficialmente: a de um fanático amante da História, tomara que um Historiador, um Investigador, um Arqueólogo. Essa tendência mantinha-se à superfície, mesmo durante as compridas aulas no Teatro Anatómico, nos laboratórios de Química e de Física, nas salas de Biologia, Histologia e Fisiologia. Estava lá, mas não a via, porque era então considerada uma profissão predominantemente feminina. Mas boa parte dos livros de Medicina que comprei de moto próprio durante o curso eram de História da Medicina – decerto um alibi... – além dos de História pura e dura, aqueles que já então enchiam a minha estante.
A assunção da minha verdadeira vocação ocorreu durante o afastamento da Universidade devido à minha incorporação compulsiva no Exército, em parte devida à minha outra paixão, a Política, que me ensinou a teoria e a prática da intervenção cívica, em desafio constante à ordem instituída, a do Estado Novo. E a “tropa” foi a minha nova Universidade, o período mais aliciante da minha vida em que assisti ao espectáculo da História em Acção tornando-me eu próprio seu agente durante o 25 de Abril e nos tempos subsequentes, a ruptura entre o Velho e o Novo.
Disse então adeus à Medicina e matriculei-me em História. E se os quatro anos de Medicina se saldaram num irrisório resultado académico, a mudança de rumo proporcionou-me as maiores alegrias e realização académica e profissional.
Voltando à escrita, o meu feitio impaciente não me permite apurar a minha verdadeira caligrafia que, sei-o bem, é até elegante e harmoniosa quando cuidadosamente cultivada. Como se lavrasse um campo, ora rasgando, ora afagando com o aparo-arado o ondular dos torrões macios ao longo de infinitas linha paralelas.
Mas chega de exercício inútil, autojustificação de umas quantas linhas desajeitadas. A última vez que me dei a este exercício foi em Fevereiro de 2007, internado no Hospital de Torres Novas, combalido ainda do enfarto que me abriu pela primeira vez os olhos para a finitude de tudo o que vive.
Sobrevivo desde então, como desde que nasci, mas esse exercício de escrita manuscrita foi o mais intenso que já vivi. Não vou agora reler esse texto tão sentido que partilhei apenas com a meu núcleo familiar – mulher e filhos – como não vou agora reler tanta coisa que tenho em lenta – lentíssima – maturação, especialmente as minhas pequenas memórias a que pensei chamar “Crónicas do Tempo da Peúga”, frase saborosa que aprendi com um filho e que ele aprendeu de um colega.
Penso que têm mais valor do que tudo o mais que escrevi: isto porque escrevi nessas crónicas – ainda bem longe de terminarem – sobre o assunto em que sou o principal especialista: eu próprio!

2º ANDAMENTO
Tomar, 14 de Agosto de 2017

Releio agora o texto escrito há 8 anos e uns dias e a verdade é que ele se mantém razoavelmente actualizado . As coisas terão melhorado um pouco no capítulo da escrita. Sinto-a mais livre e escorreita. A aposentação proporciona-me mais horas livres para escrever, seja na imprensa local e regional, seja no meu blogue ou, ainda, na minha página do facebook.
Embora os número de páginas destas colaborações não parem de aumentar, não posso considerar-me totalmente feliz com os resultados, por muito simpáticas que sejam as reacções de quase todos os que me lêem. Talvez sejam as reacções de ódio e de agressividade que mais me motivam, pelo sentimento que interiorizo de ter atingido em cheio o alvo pretendido.
Quanto à saúde, posso dizer que estes 8 anos foram francamente desastrosos, mas venho falar de escrita e não de doença. No entanto a sensação de imprevisibilidade que me acompanha desde 2007 ensinou-me a relativizar as coisas e talvez deva a essa circunstância uma maior maturidade na expressão, a par de um maior sentido autocrítico.
Quanto à escrita manuscrita ela proporciona-me bastante prazer mas continua a não passar de um mero exercício sensorial . O novo hábito proporcionado pela uso dessa extensão do cérebro que o computador representa, cria maior habituação do que os antidepressivos ou outras drogas psicotrópicas da moda.
Mas vou preserverando, tal como faço esporadicamente com o desenho, uma velha prática que vem praticamente da infância, uma outra forma de expressão em que me tinha apurado razoavelmente.
Poderei dizer que procuro evitar a todo o custo o vazio a que esta nova vida de lazer poderia dar lugar. Talvez assim seja, já que regressarei brevemente ao Ensino, embora a um Ensino destinado a diferente público e com diferente exigência em termos de conteúdo, mas igualmente exigente pedagogicamente.
E às viagens, a minha verdadeira paixão, mesmo que mais limitadas pelo orçamento e pelos problemas de saúde. A descoberta do mundo, mesmo de um mundo cada vez menos apetecível face às expectativas criadas nos longínquos anos de esperança do final do século XX. Mas é o mundo que temos e por que vale a  pela lutar.
São esses os motivos de optimismo pessoal que cultivo num momento em que as ameaças mundiais e nacionais são muito maiores do que as esperanças. De caneta ou de teclado em riste, como sempre!


Carlos Rodarte Veloso


BATALHA DE ALJUBARROTA
 Carlos Rodarte Veloso
14-8-2017



A 14 DE AGOSTO DE 1385, HÁ EXACTAMENTE 632 ANOS, PORTUGAL GARANTIU A SUA INDEPENDÊNCIA AO DERROTAR OS CASTELHANOS. UMA DATA A NÃO ESQUECER.

segunda-feira, 14 de agosto de 2017



O TERRORISMO INCENDIÁRIO 
Carlos Rodarte Veloso 

É claro que esta onda de incêndios não se deve apenas ao calor, à secura do clima e ao vento. Como se explica a coincidência de tantos fogos em zonas pouco afastadas mas dando cobertura a áreas imensas? Há uma coordenação e isso implica terrorismo. Quem ganha com isto? As celuloses que temem as novas leis do reordenamento florestal contra o eucalipto, a oposição de direita que assim pensa tirar o tapete ao governo, os media de direita que assim prosseguem a sua campanha concertada com o psd/cds com o mesmo objectivo. 
Os interesses são estes, e quem paga aos incendiários é no mínimo conivente. Há que puni-los com a pena máxima sem apelo nem atenuantes. Isto é traição à Pátria, e isso implica uma investigação sem contemplações e sem ocultar seja o que for. 
E julgamento, sim, mas no quadro do Estado Democrático.

sexta-feira, 11 de agosto de 2017


A TORRE-MIRANTE DE SANTA CRUZ, UM AR DA TOSCANA NA
REGIÃO OESTE DE PORTUGAL – ADENDA

Carlos Rodarte Veloso

Segundo informação comunicada à minha irmã Teresa Rodarte pelo Arqº André Baptista, o Arqº. Leopoldo Ferreira Ludovice defendeu que o autor do projecto arquitectónico da Torre de Santa Cruz teria sido Miguel Ventura Terra (1866-1919), o famoso arquitecto de edifícios como a Basílica de Santa Luzia em Viana do Castelo (edifício revivalista entre o neo-românico e o neo-bizantino), a Maternidade Alfredo da Costa, o Liceu Pedro Nunes, a Sinagoga e o Cine-Teatro Politeama em Lisboa, o Palace Hotel do Vidago, além da transformação do antigo convento de S. Bento da Saúde no Palácio Nacional de S. Bento (hoje Assembleia da República), numerosas casas particulares em Lisboa, muitas delas premiadas com Prémio Valmor, o pedestal do monumento ao Marechal Saldanha e muitos outros importantes projectos não concluídos.
Esta informação pode considerar-se uma importante achega à autoria da Torre de Santa Cruz, embora não exclua que a parte de engenharia do projecto seja do Engº Celestino Rodarte de Almeida como pensávamos, mas, como parte interessada, prefiro aguardar novos desenvolvimentos sobre este assunto.
É claro que a ser a dita torre obra de Ventura Terra, o seu valor patrimonial cresce exponencialmente e a sua classificação como imóvel de interesse público torna-se ainda mais defensável.
Como infomação adicional, segundo o mesmo Arqº Ludovice, o projecto inicial para Santa Cruz seria um palácio, mas o orçamento do encomendante só lhe permitiu a torre...

quinta-feira, 10 de agosto de 2017


A TORRE-MIRANTE DE SANTA CRUZ, UM AR DA TOSCANA NA REGIÃO OESTE DE PORTUGAL

Carlos Rodarte Veloso


A Torre-Mirante voltada ao mar na Praia de Santa Cruz, próximo de Torres Vedras, é um exemplo de edifício filiado nos gostos revivalistas do património edificado do nosso País que marcam a segunda metade do século XIX e a primeira do XX.
Tenho por esse edifício uma especial estima por ser neto do autor do projecto, o Engº Celestino Germano Rodarte de Almeida, tendo publicado em 7 de Dezembro de 2007, no jornal “Badaladas” de Torres Vedras, um artigo alertando para o estado de conservação lamentável em que se encontrava este interessante edifício.


Lamentavelmente, escasseiam na minha família dados rigorosos sobre a data da construção da Torre bem como dos seus encomendantes, e a minha irmã, Maria Teresa Rodarte Veloso Serrano, em 16 de Junho desse ano, deu disso conhecimento público no Fórum de Torres Vedras.
Pelo desenvolvimento da questão e o perigo de iminente ruína em que a obra se encontrava, sentimos então o dever de vir a público avançar algumas razões que, pelos seus resultados, algumas obras de conservação e pintura que depois foram feitas, pareceram justificar.
Ora a Torre-Mirante de Santa Cruz, independentemente das funções que o seu encomendante lhe reservava, é um exemplo, bastante raro nesta região, de Revivalismo historicista, neste caso apontando claramente para um Neo-Gótico e um Neo-Românico de raiz italianizante. O perfil da torre de Santa Cruz é claramente inspirado no corpo principal até ao primeiro registo da Torre del Mangia, que domina a belíssima Piazza del Campo de Siena. Há também alguns paralelismos com a Torre do Palazzo della Signoria de Florença, excepto ao nível dos merlões, que nesta são bifurcados. Quanto ao corpo onde assenta a Torre de Santa Cruz, parece claramente inspirada na colunata românica do Campanille de Pisa, a famosa Torre Inclinada. Em resumo, tudo aponta para uma filiação assumida na elegantíssima arquitectura medieval da Toscana, a qual viria a ter continuidade no – tão seu! – milagre renascentista.
Parece-me especialmente interessante e um pouco contra a corrente tão nacionalista do revivalismo português, geralmente Neo-Manuelino ou Neo-Mourisco, como podemos apreciar no Palácio da Pena de Sintra, a poucos quilómetros de Torres Vedras, esta assunção dum gosto cosmopolita numa época ferozmente xenófoba e orgulhosamente ignorante em matéria das influências artísticas europeias.
Como torriense que sou, embora há largos anos afastado da terra natal, continuo-lhe afectivamente ligado e, por isso, tanto mais desgostoso pela descaracterização que há largos anos vem atingindo a minha Cidade, a caminho de se tornar mais um dormitório de Lisboa. Esse sentimento não poderia deixar de ser agudizado perante a ruína em que a Torre se encontrava, apesar da sua qualidade estética e originalidade, e, ainda mais, pelos laços familiares que a ela me unem.
As melhorias efectuadas na Torre apontam-na para ex-libris daquela popularíssima Praia e, como tal fá-la-iam merecer a classificação, no mínimo, de imóvel de interesse público. Os meus conhecimentos técnico-artísticos como professor aposentado de História da Arte do Instituto Politécnico de Tomar autoriza-me a interceder nesse sentido.
Se esta ideia encontrar eco entre os meus concidadãos, dirijo à Autarquia torriense um convite para deliberar as providências consideradas apropriadas para esse propósito que, creio, valorizaria consideravelmente aquela Praia e o nosso Município.




Monstros em Veneza ou A Galinha dos Ovos de Ouro
Carlos Rodarte Veloso

(“O Templário”, 10 de Agosto de 2017)


O tema do Turismo de Massas, nunca como hoje se apresentou de um modo tão catastrófico. Não posso poupar nos adjectivos, quando vejo cidades como Veneza, Florença, Barcelona, Lisboa, Porto, e outras hipervisitadas urbes de toda a Europa, a motivarem os seus habitantes para a resistência à invasão de milhões de turistas, transportados comodamente até ao seu interior, onde beneficiam de vantagens sobre os próprios residentes, que acabam “expulsos” dos seus lares pela pressão económica, tendo como última alternativa abandonar as zonas centrais das suas cidades e deslocar-se para as periferias, os chamados “dormitórios”.

Já Veneza, quase submersa nas águas do Adriático, contesta cada vez mais energicamente esse estado de coisas, para mais vendo a sua reduzida população “submersa” agora por qualquer coisa como 20 milhões de turistas anuais! A somar a esta chocante desproporção, junta-se a invasão de cópias made in China concorrendo com os artigos tradicionais do seu artesanato. O caso mais paradigmático são as famosíssimas máscaras venezianas, cuja relação com esta “concorrência” oriental corresponde à relação de cerca de 200 para 1 euro, e à previsível ruína dos seus artesãos tradicionais. Mas outros produtos se encontram na mesma “lógica”, dos cristais de Murano às tradicionais “lembranças locais” que, aliás, também correspondem a uma invasão de toda a Europa.

A somar a todos estes graves inconvenientes, Veneza “beneficia” ainda da passagem e atracagem em alguns dos seus históricos canais, de gigantescos navios de cruzeiro, que além de agredirem criminosamente o ambiente da cidade, afectam a sanidade das pessoas e a estabilidade dos edifícios, todos eles históricos.


Gianni Berengo Gardin, fotógrafo de grande nomeada em toda a Itália, publicou 27 fotografias a preto e branco tiradas entre 2012 e 2014, documentando a presença destes gigantes dos mares, alguns com mais de 60 metros de altura,  encostados ao cais da igreja de S. Marcos e em outras sensíveis zonas de Veneza. Essa exposição, denominada “Mostri a Venezia” (“Monstros em Veneza”) está presente em Milão e era para ser apresentada no Palácio Ducal de Veneza, mas o recente autarca da Cidade Sereníssima, Luigi Brugnano, cancelou a mesma exposição a pretexto de prejudicar turisticamente a cidade!

Entretanto a Fundação do Museu Cívico de Veneza garante que marcará nova data para a abertura da Mostra, o que antecipa provável conflito com o autarca de Veneza.

As fotografias que aqui apresento a título de exemplo muito pouco exemplar, estão disponíveis na internet, e dizem mais que mil palavras [myartguides.com/gianni-berengo-gardin-mostri-a-venezia]: são chocantes, mas é bom que sejam divulgadas, antes que cheguemos a um ponto sem retorno!




sábado, 5 de agosto de 2017


OS MEDIA DE REFERÊNCIA, OS EUCALIPTOS E A CHICANA POLÍTICA
Carlos Rodarte Veloso

Publicado em “O Templário” de 3 de Agosto de 2017


O mês de Julho agora a terminar, foi o mês de todas as ameaças: clima tórrido, incêndios, seca, um ciclo altamente desgastante em termos materiais e morais, que se repete, inexoravelmente, ano após ano e independentemente das forças políticas no governo.
Este mês seria a repetição de todos os anteriores, não fosse o número de mortos directamente provocados pela tempestade de fogo que varreu a zona central do País, especialmente a de Pedrógão Grande, e a proximidade das Eleições Autárquicas que se revelaram um catalizador poderoso das mais desvairadas opiniões, ataques políticos, demagogia, boatos, oportunismo e, acima de tudo, o favorecimento das forças partidárias de Direita por uma comunicação social dita “de referência”, claramente enfeudada a grupos de pressão, não apenas políticos, mas acima de tudo, económicos.
É a única conclusão que poderemos tirar do ataque maciço dos media “portugueses” e dos seus mandantes partidários a um governo cujas provas dadas no capítulo da economia, da tecnologia, da ciência, do ensino e das relações internacionais, para apenas citar as mais notáveis, são pura e simplesmente ignoradas, enquanto tudo o que corre mal, seja por erros humanos, seja por causas naturais, é superlativizado e “martelado” até à náusea.
No entanto, a defesa dos eucaliptos como a árvore ideal para combater os incêndios – Passos Coelho dixit!!! – em concordância com as queixas amargas dos agentes das empresas de celulose que, com a ameaça de um reordenamento florestal favorável à replantação da flora nativa portuguesa (carvalhos, sobreiros, castanheiros, azinheiras) sentem ameaçados os seus enormes lucros, é despudoradamente assumida pelos tais media... Isto quando a simples observação dos efeitos dos incêndios mostra a gigantesca desproporção entre os estragos provocados nas zonas de eucaliptos, muitíssimo maior do que nas zonas ocupadas pelas referidas árvores nativas.
A total ausência de isenção e de escrúpulos manifestados pelas forças e órgãos de comunicação social de Direita – que são a grande maioria – levou o Presidente da República que, não sendo um homem de Esquerda, é uma pessoa inegavelmente séria, a criticar o aproveitamente político que tem vindo a ser feito do incêndio de Pedrógão, que chegou ao ponto inaudito de se discutir o número de mortos, como se o número de 64 ou 65 constituisse a diferença entre a continuação em funções de António Costa ou a sua demissão pura e simples! Como se a diferença de um morto constituísse a prova de uma sinistra conspiração para enganar os Portugueses!
O roubo – ou “desvio” – das armas de Tancos foi a cereja em cima do bolo, dando também pano para mangas para a exigência da “demissão imediata” de ministros, verdadeira obsessão dos deputados da PSD e do CDS, que assim manifestam a sua completa ausência de ideias para melhorar o País ou seja, de um programa eleitoral minimamente credível, contentando-se com o aproveitamento das migalhas dos “escândalos”que lhes vão caindo no colo.
A pobreza mental da Passos Coelho e de Assunção Cristas, para não citar os seus “brilhantes” subalternos é confrangedora. Com uma oposição destas estaria garantido um governo de Esquerda para mil anos... Mas a Democracia não é assim que funciona. O contraditório é-lhe essencial. Desejo ao PSD e ao CDS o urgente implante de alguns neurónios para ver se ultrapassam a crise de irracionalidade e incompetência que os tem marcado nos últimos anos.