OS RATOS ESTÃO A SAIR DAS SARJETAS
Carlos Rodarte Veloso
(“O
Templário”, 31 de Agosto de 2017)
O título deste artigo
não é meu, é uma frase de Jossa Bentja, alemã de 64 anos de Koblentz, citada no
excelente texto de Mafalda Anjos directora da “Visão” – “São Ratos” – publicado
no último número daquela Revista.
Na verdade a autora desta frase, cuja família foi vítima
do Holocausto, completa-a com algo mais específico: “Trump tornou-o socialmente
aceitável”. Que melhor prova desta acusação do que o “perdão” concedido pelo
presidente estado-unidense ao “xerife mais duro da América”, como é conhecido
Joe Arpaio, perseguidor impiedoso de imigrantes latinos, recuperador de
obsoletas regras presidiárias especialmente duras para com as mulheres,
fanático oponente de Barak Obama a quem acusa de não ter nascido nos EUA? Pois
o sr. Trump fez retirar todas as bem merecidas acusações contra este bandido,
classificando-o como “patriota americano”!
O
apoio envergonhado de Trump à miserável manifestação supremacista branca, pró-nazi,
realizada em Charlottesville, que culminou no criminoso atropelamente de grande
número de participantes da contramanifestação organizada pelos defensores dos
direitos cívicos, que causou a morte de uma das manifestantes e múltiplos
feridos, é comprovado pela sua patética declaração que põe em pé de igualdade
este grupo racista dito “Far Right” e os seus adversários. Dizia ele “haver
ódio de muitas lados”... Só dias depois, claramente pressionado pelos seus
indignados apoiantes republicanos, se referiria criticamente aos pró-nazis como
os responsáveis por este atopelo à Constituição dos EUA!
É
curioso como este tipo de atropelamente colectivo que temos visto como imagem
de marca dos criminosos do autoproclamado “estado islâmico”, desde Nice a
Barcelona, ao ser perpetrado por “gente” da extrema-direita deixa de ser
classificado como aquilo que claramente é, ou seja, terrorismo puro e simples.
Há
portanto um abandono descarado da decência nas declarações públicas deste
péssimo presidente, inimigo confesso da liberdade de expressão e inventor das
“verdades alternativas” como antídoto do desmascaramento das suas constantes
mentiras.
Ele
tornou-se o líder de todos aqueles que, em todo o mundo e especialmante na Europa, procuram regressar
a uma política retrógrada e reaccionária que põe em causa todos os direitos
cívicos adquiridos desde a 2ª Guerra Mundial e, especialmente, desde a
constituição da União Europeia. Uma política negacionista das gravíssimas
alterações climáticas e do desastre ambiental que tão evidentemente sentimos em
todas as latitudes.
Ele é
o par de Marine Le Pen e de todos os seus clones europeus, enquanto insiste na
“teoria” da ameaça da imigração e na defesa do famoso “muro” com que pretende
conter a “ameaça mexicana”. Ele é o
provocador incansável de todos os estados que se situam fora da sua
esfera de influência, ameaçando-os pateticamente do “ferro e fogo” bíblicos, ao
mesmo tempo que exibe os seus brinquedos bélicos, tão ao gosto dos governos
totalitários. Ele partilha uma estranho “amor-ódio” com Putin e contraditórias
ligações com uma China que hoje revela muito maior equilíbrio nas relações
internacionais do que os EUA.
O
contágio da retórica de extrema direita de Trump já infectou alguns elementos
da direita portuguesa, caso do candidato à autarquia de Loures, André Ventura,
cujas declarações racistas põem a nu as suas tendências, a ponto de o CDS lhe
ter retirado o apoio nas próximas eleições! É curiosíssimo vermos o PSD a ser
ultrapassado pela esquerda pelo CDS de Assunção Cristas, enquanto Passos Coelho
lhe mantém a confiança política... Passos Coelho que, em declaração pública,
diz não querer “qualquer um” a viver em Portugal. Isto num contexto de
imigração! “Les bons esprits...”
Até
um eurodeputado do PS, Manuel dos Santos, é sujeito à crítica mais contundente de
António Costa e do seu partido, sendo-lhe retirada a confiança política, por
ter utilizado a “acusação” de “cigana” contra a deputada e candidata socialista
à Câmara Municipal de Matosinhos Luísa Salgueiro. Esta atitude configura uma
posição claramente racista e xenófoba, incompatível com os valores da esquerda
que o PS defende.
Além
destes exemplos vergonhosos, nos media, nas redes sociais e em declarações
públicas de outros líderes políticos, o alvo a
abater parece ser o “politicamente correcto” isto é, a contenção de
quaisquer declarações que contribuam para diminuir ou insultar minorias
étnicas, religiosas, sexuais ou outras quaisquer. Em suma, o que aqui se ataca,
cada vez mais, é o respeito pelo “outro”. É, no fundo, um regresso aos velhos
tempos em que os insultos eram “autorizados” pela prática social.
Por
isso, lembro aqui as primeiras palavras de uma famosa declaração do filósofo
Karl Popper no final da 2ª Guerra Mundial: “A tolerância ilimitada leva ao
desaparecimento da tolerância”.
Liberdade
para todos, sim, mas também para os inimigos da Liberdade?