quinta-feira, 1 de dezembro de 2016


HUMBOLDT, PRECURSOR DO AMBIENTALISMO


Publicado n’O Templário de 1 de Dezembro de 2016

 

 

No tempo de Napoleão Bonaparte, Humbolt foi o segundo homem mais famoso do mundo, recebido em triunfo em nações tão díspares como os Estados Unidos da América, a França, Espanha e algumas das suas colónias americanas, a Rússia, a Grã-Bretanha e, evidentemente, a sua Prússia natal. No entanto, é hoje um quase desconhecido.

A publicação em 2015 da sua biografia e das relações que estabeleceu com outros vultos da época, bem como de quanto a sua obra influenciou cientistas e intelectuais que lhe foram posteriores, é um importante passo para a recuperação do seu lugar na história das Ciências e também da Europa e da América onde desempenhou um papel ímpar no estudo da Natureza e na defesa do Ambiente.

 Trata-se da obra, “A Invenção da Natureza. As aventuras de Alexander von Humboldt, o herói esquecido da ciência” da investigadora Andrea Wulf, já publicada em Português (Temas e Debates/Círculo de Leitores, 2016), obra essa apaixonante e apaixonada, que revela as múltiplos aptidões deste cientista que é claramente um precursor da Ecologia e da defesa do Ambiente.

O nosso herói, barão prussiano nascido e falecido em Berlim entre 1769 e 1859, foi um fabuloso “globetrotter”, não apenas pelas suas diversas viagens pelo mundo, mas no sentido mais global de “cidadão do mundo”, pela influência que exerceu na própria vida política, científica e dos países que visitou.

O carácter universalista da sua cultura abrange os mais diversos ramos do Saber, como a Física e a Química, a Mineralogia e a Geologia, a Vulcanologia, as Línguas Estrangeiras, a Anatomia e a Astronomia e conhecimento profundo dos instrumentos científicos, depois da fase da sua formação académica nas áreas das Finanças e da Economia, que odiava.

Homem de uma tenacidade inquebrantável, infatigável nas suas viagens, simpatizante e apoiante de Darwin e do Darwinismo e dos seus seguidores,  amigo de Simão Bolivar que influenciou fortemente para a libertação da América hispânica do jugo de Espanha, deixou no país natal amigos tão fiéis como Goethe, Schiller, Gauss e os irmãos Grimm e foi mecenas de outros poetas e escritores como Heinrich Heine, Ludwig Tieck e Klaus Groth. O seu irmão, Willelm vom Humboldt, hoje mais famoso que ele próprio, linguista e ministro, foi-lhe sempre muito próximo e uniu-os uma amizade inquebrantável, mesmo quando milhares de quilómetros os separavam.

O seu interesse pela Geologia, levou a uma profissão, quase imposta pela sua despótica mãe, a de assessor das Minas em Berlim, que lhe deu a possibilidade de criar uma escola de formação para mineradores, paga do seu bolso.

A morte de sua mãe em 1796 libertou-o das amarras que o impediam de sair da Alemanha, ele que desde jovem sonhava com as viagens, especialmente depois de uma estadia em Londres onde a visão dos milhares de navios que enchiam o Tamisa – cerca de 15.000 por dia – e de homens como William Bligh – comandante da “Bounty” de triste memória –  e Joseph Banks, botânico do capitão Cook na sua primeira viagem à volta do mundo, lhe aguçaram ainda mais o interesse pelas viagens.

De facto e servindo-se da sua grande fortuna, o seu interesse pelas viagens e e as ciências, levou-o a efectuar percursos históricos que, além das milhares de milhas que percorreu, incluem outros milhares de jornadas terrestres, muitas vezes a pé ou em mulas, para visitar uma das suas grandes paixões, algumas das mais famosas montanhas e todos os vulcões existentes nas rotas palmilhadas.

O seu extrordinário espírito metódico e matemático permitiu-lhe relacionar os seus achados em diversos países e continentes, elaborando teorias que se revelaram muito consistentes, ao ponto de prever e descobrir riquezas mineralógicas em estratos geológicos da Sibéria em consonância com o que observara e registara na América do Sul.

Intuiu também, genialmente, a ideia da “Deriva dos Continentes”, pondo a “mexer” as massas continentais ao longo das falhas sísmicas hoje bem conhecidas, causadoras de terramotos e da formação de montanhas, quando as teorias até então dominantes apontavam apenas para a acção da acumulação milenar de sedimentos.

Mas a sua contribuição mais consistente e que mais reflexos tem nos dias de hoje, é a percepção aguda dos malefícios que o colonialismo europeu, ao “domesticar” as suas possessões na América do Sul  ao sabor de interesses económicos que apostavam na exploração agrícola de grandes latifúndios de monocultura – algodão e açúcar por exemplo – em detrimento das culturas indígenas e das florestas tropicais, que começou a destruir, alterou radicalmente a paisagem física e humana, empobrecendo os respectivos povos.

Um dos efeitos perversos das investigações de Humboldt durante a sua estadia na América do Sul, ele que divulgou generosamente todas as suas descobertas, foi ter involuntariamente proporcionado a Jefferson, presidente dos EUA, as informações que este país depois utilizou na guerra contra o México, para ampliar consideravelmente o território estado-unidense.

A sua admiração em relação a Jefferson era apenas ensombrada pela existência de escravos nas suas propriedades, prática que este apoiava abertamente e Humboldt naturalmente repudiava.

Do mesmo modo, na Europa, a destruição da Natureza era um dado mais do que adquirido: desaparecidas algumas das suas maiores florestas, secas importantes regiões pantanosas a favor de uma agricultura intensiva destinada a alimentar uma demografia galopante, ele denunciou um evidente empobrecimento dos recursos naturais e o crescimento da poluição urbana, antecipando-se em mais de um século às conclusões preocupantes da segunda metade do século XX e aterradoras deste início do terceiro milénio.

Seria fastidioso alongar-me na relação das extrordinárias descobertas deste herói do século XIX, cujo nome foi atribuído a uma dúzia de espécies zoológicas e botânicas até então desconhecidos na Europa e que ele descreveu nas suas explorações, e também de rios, cadeias de montanhas e, até, ao “mar” lunar baptizado “Mare Humboldtianum” e ao asteróide 54, agora denominado “Alexandra”.

A sua obra mais influente foi, “Cosmo: Um Esboço da Descrição Física do Universo”, depois de tantas outras, capitais para o conhecimento do planeta Terra.

Entre cientistas e filósofos que foram seus contemporâneos, destaca-se, entre muitos outros que influenciou, Charles Darwin, outro genial cientista que com “A Origem das Éspécies” revolucionou o entendimento da Natureza e da Humanidade com o Evolucionismo. Outros se lhe seguiram, e apenas indico os referidos por Andrea Wulf: Henry Thoreau, George Perkins Marsh, Ernst Haeckel, inventor do termo Oecologie que derivou para Ecologia e John Muir.

Por todos os motivos apontados e por se tratar duma das personalidades históricas mais originais e fascinantes dos sáculo XIX, com um pé no Romantismo e outro no espírito científico mais rigoroso, é quase obrigatória a leitura desta excelente biografia cujas 544 páginas se lêem de um fôlego.

Carlos Rodarte Veloso

crodarte veloso@gmail.com


 



 

Sem comentários:

Enviar um comentário