SER PROFESSOR
Publicado n’O Templário de 8 de Dezembro de 2016
Já
fui professor em quase todos os graus do ensino. Agora reformado, conto quase trinta
e sete anos no Básico, no então chamado Unificado e no Politécnico. E também em
formações várias nas áreas mais diversas. Algumas das experiências que guardo,
que não esqueço, deixaram-me amargos de boca... e ensinamentos. Assim as tenha
sabido aproveitar. As boas recordações – tantas – são hoje difusas, porque os
casos felizes não têm história.
De
vez em quando, inesperadamente e nos locais menos prováveis, encontro a cara
reconhecida de um nome já esquecido ou ainda na ponta da língua. Agora, no
Facebook, a presença virtual dessas caras materializa recordações, sentimentos,
e a memória, de novo desperta, ultrapassa a falta física e preenche as lacunas
do tempo. Porque os alunos não foram todos iguais, por muito isentos que
sejamos na nossa avaliação. E foram tantos.
Uns,
operários, muitos no comércio ou nos serviços, alguns – poucos – agora meus
colegas, outros na rua, sem ocupação certa, engrossando o cancro nacional que
se chama desemprego jovem.
Se
fui feliz na minha profissão? Com todos os obstáculos, o cansaço mesmo, os
momentos de desânimo são casos menores. A desilusão é mais com os altos poderes
que partem e repartem matérias, turmas, obrigações burocráticas, com o mais
inacreditável desconhecimento da matéria-prima que pensam modelar. Os que
destroem sonhos. Os que esqueceram os seus próprios sonhos. Os que corrompem a
própria essência do acto de ensinar, transformando-o num mero exercício de
estatística.
Porque
ser professor é olhar de frente, sem disfarce, esses outros olhos que
interrogam ou, simplesmente, esperam. Desde a primeira aula. É bem mais fácil
quando interrogam, pois fazerem-no implica, desde logo, tornarem-se membros
desse mistério que se chama aprender. Aprender a pensar.
Mas
para os que apenas esperam, quantas barreiras há no caminho dos olhos antes que
um clarão os ilumine. De parte a parte. E quantas vezes, sem que o calor do
entendimento se acenda.
Por
isso, ser professor é uma lenta iniciação no caminho do outro. Num caminho que
só pode fazer-se caminhando. A par, porque também o orientador é orientado. E
como são sábias as palavras: orientar, ou seja, a caminho do oriente, do
nascente. Que é como quem diz, das origens. Numa relação que é feita de
partilha, de cumplicidade e, tantas vezes, de amizade. Onde tudo começa, rumo
ao futuro. Para que haja um futuro.
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