quarta-feira, 7 de dezembro de 2016


SER PROFESSOR


Publicado n’O Templário de 8 de Dezembro de 2016

 

Já fui professor em quase todos os graus do ensino. Agora reformado, conto quase trinta e sete anos no Básico, no então chamado Unificado e no Politécnico. E também em formações várias nas áreas mais diversas. Algumas das experiências que guardo, que não esqueço, deixaram-me amargos de boca... e ensinamentos. Assim as tenha sabido aproveitar. As boas recordações – tantas – são hoje difusas, porque os casos felizes não têm história.
De vez em quando, inesperadamente e nos locais menos prováveis, encontro a cara reconhecida de um nome já esquecido ou ainda na ponta da língua. Agora, no Facebook, a presença virtual dessas caras materializa recordações, sentimentos, e a memória, de novo desperta, ultrapassa a falta física e preenche as lacunas do tempo. Porque os alunos não foram todos iguais, por muito isentos que sejamos na nossa avaliação. E foram tantos.
Uns, operários, muitos no comércio ou nos serviços, alguns – poucos – agora meus colegas, outros na rua, sem ocupação certa, engrossando o cancro nacional que se chama desemprego jovem.
Se fui feliz na minha profissão? Com todos os obstáculos, o cansaço mesmo, os momentos de desânimo são casos menores. A desilusão é mais com os altos poderes que partem e repartem matérias, turmas, obrigações burocráticas, com o mais inacreditável desconhecimento da matéria-prima que pensam modelar. Os que destroem sonhos. Os que esqueceram os seus próprios sonhos. Os que corrompem a própria essência do acto de ensinar, transformando-o num mero exercício de estatística.
Porque ser professor é olhar de frente, sem disfarce, esses outros olhos que interrogam ou, simplesmente, esperam. Desde a primeira aula. É bem mais fácil quando interrogam, pois fazerem-no implica, desde logo, tornarem-se membros desse mistério que se chama aprender. Aprender a pensar.
Mas para os que apenas esperam, quantas barreiras há no caminho dos olhos antes que um clarão os ilumine. De parte a parte. E quantas vezes, sem que o calor do entendimento se acenda.
Por isso, ser professor é uma lenta iniciação no caminho do outro. Num caminho que só pode fazer-se caminhando. A par, porque também o orientador é orientado. E como são sábias as palavras: orientar, ou seja, a caminho do oriente, do nascente. Que é como quem diz, das origens. Numa relação que é feita de partilha, de cumplicidade e, tantas vezes, de amizade. Onde tudo começa, rumo ao futuro. Para que haja um futuro.

 

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