VALDÉON, O ÚLTIMO LUGAR
Publicado n’O Templário de 15 de Dezembro de 2016
Há um canto da
Península Ibérica que é verde todo o ano e os seus prados e arvoredos são
protegidos, como por muralhas inexpugnáveis, por altas montanhas, onde restos
da neve invernal se mantém pelo Verão fora. As aves de rapina, deslizam num
azul docemente velado por névoas quase perpétuas ou, violentamente, por nuvens
pesadas de chuva, cujas franjas exibem fantásticos jogos de luz e sombra.
Esse vale, o vale de
Valdeón, é "el ultimo lugar", como nos diz, encantada, uma mulher de
meia-idade, procurando as impressões dos seus visitantes, como todos pródigos em adjectivos. E não é
preciso fazer qualquer esforço para acreditar nas evidências. É mesmo "o
último lugar", no mundo caótico e tão perigoso em que vivemos, em que o próprio
acto vital de respirar é uma aventura. Aqui é possível encher os pulmões de um
ar fresco e leve, e caminhar pelas veredas do vale ou da montanha, em que cada
passo, cada vista, é um desvendar de maravilhas.
A fauna, bem
preservada, engloba desde a águia-real ao urso pardo, do lobo à camurça e à
lontra, para citar apenas os animais mais emblemáticos. A flora é riquíssima,
desde as espécies arbóreas nativas, dominadas pelo carvalho, a plantas de
pequeno porte, cujas flores mais ainda embelezam estas terras.
Culturalmente, este
espaço privilegiado revela fortes ligações às Astúrias, com as suas casas de
varandas alpendradas e os famosos espigueiros de secção quadrangular ― os
"hórreos" ― diferentes dos de Portugal e da Galiza, mas não menos
belos. A língua nativa é defendida em inscrições nas paredes. Curiosamente é o
nosso Mirandês a única língua oficial com estreito parentesco com o
Leonês.
É um local tão
singular, que foi escolhido pelas tradições locais para ser o porto de abrigo
de Europa, a bela princesa raptada por Zeus travestido num touro branco. O pai
dos deuses deixou-a em Creta, depois de a fazer conceber o rei Minos, o pai
longínquo da civilização helénica. Foi dessa ilha, onde era guardada pelo ciúme
do deus, que um príncipe cântabro viajando pelo mundo em busca de esposa, a
seduziu e resgatou, levando-a para a segurança do seu reino, cujas montanhas
baptizou com o nome da bela esposa: Picos de Europa...
A história é bonita,
mas o belo nome por que são conhecidas as montanhas terá antes sido dado pelos
marinheiros vindos de longe que, ao avistarem os picos da Cordilheira
Cantábrica, sabiam estar a chegar a casa, à Europa. Seja uma ou outra a origem
do nome, a verdade é que foi neste espaço protegido pela natureza que cresceram
povoados de pastores, gente dura, de espírito independente e indomável, e
surgiu o nome de Valdeón. Situado na região de Leão, é vizinho próximo do
Principado das Astúrias e da Região Autónoma da Cantábria.
O vale é percorrido
pelo rio Cares, e vai estreitando para norte, ao mesmo tempo que a altitude
passa de 950 metros ,
medidos na Posada de Valdeón, para 200 metros , já nas Astúrias, a quilómetros
ainda da foz, no Mar Cantábrico, depois de atravessar um desfiladeiro profundo.
Este desfiladeiro chama-se a Garganta Divina e é difícil conceber a beleza
agreste deste percurso, que termina na aldeia de Caín, emparedada por novas
montanhas e onde as águas do Cares repousam, alimentadas agora por cascatas de
água fresca, preparando a continuação do longo percurso que conduz ao mar. É
esse também o percurso de caminheiros de diversos países, irmanados pelo amor
que esta região lhes mereceu.
Este lugar merece bem
ser conhecido. Mas, se o visitar, respeite-o!
Carlos Rodarte Veloso
crodarte
veloso@gmail.com
Fotografias de Jaime
Martins Veloso
Fotografias de Jaime Martins Veloso
Sem comentários:
Enviar um comentário