quarta-feira, 31 de maio de 2017


ANTÓNIO BARRETO A CAMINHO DA RIBALTA PELOS PIORES MOTIVOS

António Barreto é mesmo um barrete. Destruiu a maior conquista de Abril, a Reforma Agrária que, apesar de alguns excessos, promoveu o desenvolvimento na região mais desfavorecida do País, formada maioritariamente por terras possuídas por absentistas. Tirar-lhes as terras e entregá-las a quem cuidasse delas e desenvolvesse a região, foi um acto de simples justiça social. Dá-las aos agricultores pobres, desde sempre ligados à terra, reforçou ainda mais o seu carácter de urgência e a nobreza do gesto. Que um "sociólogo" não o entenda assim, só prova a miséria da sua "ciência" e a pobreza da sua consciência social.
Quanto aos malabarismos politiqueiros a que se tem dado, isso só realça a sua falta de carácter. nada de novo no mundinho dos Franciscos Assis e quejandos. As declarações dele sobre a "Troika" são mais uma descida do "sociólogo" aos infernos da abjecção!

domingo, 28 de maio de 2017


FINISTERRA

Carlos Rodarte Veloso

(Publicado no "Correio Transmontano", 28 de Maio de 2017)

                A magia do mar desde sempre impressionou os humanos, mais ainda quando no seu encontro com notórios acidentes geográficos terrestres, os cabos, estabelece a fronteira entre o conhecido e o desconhecido, entre a vulgaridade do dia-a-dia e o desafio de longínquas paragens, porventura habitadas por seres extraordinários e misteriosos, decerto perigosas e, como tal, dignas de um sagrado temor.




Os cabos são assim objecto de uma muito especial mística, mormente quando voltados a um mar sem limites aparentes, frente à sólida estruturas dos Continentes.

                A norte das Rias Baixas, na Galiza, numa paisagem habitualmente envolta em brumas, recortam-se as Rias Altas, menos pronunciadas mas nem por isso menos impressionantes. No limite entre umas e outras, o lendário Cabo Finisterra, “Fisterra” no dizer regional, “fim do mundo” dos Antigos e contraponto, a norte, da nossa Ponta de Sagres — o velho “Promontório Sagrado” dos Romanos —, como ela voltado ao “Mar Oceano” e ao Ocidente.
                Situado na Província da Corunha, a pouco mais de cem quilómetros de Santiago de Compostela, delimita a sul a costa pedregosa onde tantos navios naufragaram a ponto de lhe ser dado o nome de Costa da Morte. O farol e a sua poderosa sereia parecem replicar a macabra denominação, enquanto a nossos pés se espraia o imenso espelho do Oceano, reflectindo as cores do poente. Ao pôr-do-sol, o mágico momento do silêncio tem grupos de espectadores, dispersos pelas falésias, num ritual mudo que se impõe naturalmente.
                Próximo, na base do promontório, o granito de uma pequena igreja românica, frente ao cemitério, encerra uma imagem de Cristo muito venerada pelos marinheiros. Na povoação, um grupo escultórico em pedra e bronze, dedicado a estes nossos irmãos pelas origens e pela língua, como nós emigrantes, “leva o noso amor ós galegos espalados polo mundo”.
                A estrada serpenteante que, através das Rias Baixas, conduz à vila de Fisterra, contorna enseadas amenas que orlam pequenas povoações piscatórias de uma beleza calma, por entre visões de sonho de montanhas emergindo do nevoeiro, como que pairando sobre as águas. Na baía de Ezaro o eco das ondas repercute-se nas falésias e enche a praia de sons que, em cascata, se prolongam na travessia. Topónimos familiares à nossa língua alternam com estranhos nomes: Noia, Muros, Serres, Carnota, Cée, Corcubión… As próprias inscrições lembram, a cada momento, a língua comum que o centralismo castelhano tentou calar durante a ditadura de Franco.
                Nos campos próximos e, até, à beira-mar, avultam as formas inconfundíveis dos hórreos, tão similares aos populares “espigueiros” do norte de Portugal, lembrando uma continuidade cultural que se reconhece a cada passo, até na língua que, diz-se, apenas difere do Português numa escrita e, principalmente, numa pronúncia em que é evidente alguma promiscuidade com o Castelhano. Aliás, são os Galegos os únicos “espanhóis” que nos entendem sem nos obrigar a qualquer esforço de pronúncia… Mas não lhes chamem “espanhóis” porque, como disse a grande Poeta galega Rosalia de Castro, “Pobre Galicia, non debes chamarte nunca española / Qu'España de ti s'olvida cando eres ¡ai! tan hermosa.”
                Rumando a outras paragens da Galiza, somos dominados por essa nostalgia, tão portuguesa, a que nós chamamos saudade e os Galegos, morriña

terça-feira, 23 de maio de 2017


O MASSACRE DE MANCHESTER
Carlos Rodarte Veloso

Não há assassínios justificáveis menos ainda os de inocentes, ainda por cima em massa. Não é por os não mencionar a cada passo, que se desvalorizam uns em favor de outros. Por isso, em Manchester ou na Síria, todas vidas inocentes são equivalentes. Estamos a falar de Pessoas e não das "justificações" invocadas pelos seus autores, cúmplices ou apoiantes. 
Por isso é nojento vermos a sua desvalorização por aqueles que ideológica ou sectariamente estão do lado de monstros assassinos. Por aqueles que se estão nas tintas para as vidas humanas, mas não para as estatísticas, para os ganhos políticos. O crime de Manchester vem somar-se aos de Paris, Londres, Nice, Madrid, Berlim, Munique, todos numa Europa em "paz", e com a única finalidade de lhe destruir a esperança de futuro, de ideais e de modo de vida. De Juventude. 
E para substituir a isso tudo a aceitação acéfala de valores totalmente estranhos à civilização que, bem ou mal, é a nossa e a sua consequente desumanização.

GRAVURAS ANIMADAS DO PALEOLÍTICO EM FOZ CÔA
Carlos Rodarte Veloso
"Correio Transmontano", 24 de Janeiro de 2017

TEXTO REEDITADO

A ideia de que os remotos artistas das cavernas teriam criado uma espécie de “desenhos animados” pintados ou gravados na rocha já não é uma novidade, porque há cerca de 20 anos que o arqueólogo francês Marc Azéma, ao estudar pinturas rupestres de animais da gruta de Chauvet (Ardèche, Sul da França) verificou que “os artistas representavam imagens animadas e não fixas [...] com sequências sucessivas e um sentido de leitura, como na banda desenhada ou no cinema dos nossos dias”.
Num osso representando em três imagens uma leoa em corrida, descoberto na gruta francesa de Lascaux, com a idade de 14 a 12 000 anos, o felídeo é representado em sequência, numa mesma direcção, sugerindo os fotogramas de um filme, assim decompondo as diversas fases do movimento.
O aprofundamento da sua pesquisa às grutas de Niaux no Ariège veio ao encontro das teses antes elaboradas por Azéma e levou a conclusões mais ainda espectaculares quando, para além de outras imagens sugerindo movimento como, por exemplo, animais com 8 patas sugerindo corrida, ou cavalos cujas cabeças e caudas “se agitam”,
foram detectados pequenos medalhões em osso, representando animais que, feitos girar em torno de um fio tendinoso, cria a ilusão de óptica de um animal em movimento rápido. Esse dispositivo, reinventado em 1825 e chamado “thaumatropo” é um directo antepassado do cinema.
Entretanto, outros exemplos rupestres foram encontrados na Cantábria, nas grutas de Altamira, mas foi nas gravuras de Foz Côa que os exemplos se multiplicaram, nos seus 17 quilómetros de vestígios repartidos por 50 núcleos de arte rupestre, na maioria datadas do Paleolítico Superior, muitas delas anteriores aos exemplos franceses indicados, como a cabra gravada na rocha 3 da Quinta da Barca, cuja cabeça está orientada em duas direcções diferentes, sugerindo o movimento da cabeça do animal.
Os exemplos abundam em Foz Côa, como com a gravura de um cavalo presente na rocha da Penascosa, “abanando a cabeça”, movimento sugerido por três posições da respectiva cabeça.
Em grande número, as gravuras de Foz Côa “em movimento”, datadas de há cerca de 18 000 anos, são um exemplo supremo da importância desta descoberta, inicialmente tão sobranceirmente ignorada, quando não vilipendiada como “fraude” pelos arqueólogos franceses, ciosos do seu velho “domínio” sobre os estudos arqueológicos.
Hoje Património da Humanidade, as gravuras de Foz Côa iniciaram um novo capítulo no estudo da Arte Pré-Histórica, ultrapassando todas as barreiras do preconceito pró-gaulês e abrindo caminho a novas interpretações, tanto quanto possível aproximadas da realidade histórica.

Lascaux - Leoa em movimento

Niaux - Cavalo em movimento

Foz Côa - Cavalo vira a cabeça

Foz Côa - Cavalos sobrepostos

quinta-feira, 18 de maio de 2017


HABEMUS PAPAM
Carlos Rodarte Veloso
(O Templário de 18-5-2017)
O centenário das “aparições de Nossa Senhora” em Fátima tem proporcionado o maior espectáculo mediático dos últimos anos. Só os campeonatos internacionais de futebol em que Portugal participa têm uma equivalente atenção dos poderes públicos.
Num país identificado constitucionalmente como laico embora habitado por uma maioria de católicos – não muito praticantes, diga-se de passagem – poderá ser considerado muito estranho o cuidado posto pelos media estatais em bombardear o público com notícias aprofundadas “ad nauseam” de todos os passos, factos e notícias relacionadas com as comemorações dos “milagres” de Fátima, para mais com a noção de que não se trata de dogma de fé, segundo o próprio Vaticano. A “tolerância de ponto” concedida pelo Governo em ordem a que um número máximo de portugueses possa participar nas ditas comemorações, não “cola” com a tal laicidade garantida pela Constituição, ferindo de parcialidade o tratamento que se desejaria igual ao concedido às outras religiões – e, até, não-religiões – existentes no território nacional.
Claro que o que dá especial realce a estas comemorações é a vinda a Portugal de mais um papa, desta vez, a meu ver, um verdadeiramente bom papa, acima de tudo um bom homem, que tem procurado transcender os vícios muito mundanos da retrógrada hierarquia católica que o rodeia e constitui uma corte palaciana com muito mais de medieval do que de cristão. Esse facto justifica, a meu ver, o respeito que lhe é devido mesmo pelos órgãos de soberania, não esquecendo que para além da sua condição de dirigente religioso, ele é também um Chefe de Estado embora não tenha vindo nessa condição mas na de Peregrino, como ele próprio insiste em vincar.
Ninguém pode assim pôr em causa a importância do seu papel num mundo cada vez mais selvagem, ele que parece vocacionado para encontrar as pontes fundamentais para unir crenças, povos, dirigentes hostis entre si, e tem merecido o respeito de crentes e descrentes de todo o mundo. A única excepção parece ser o bando de criminosos do “estado islâmico”, o que ainda mais abona a seu favor. Por isso não contenho a minha indignação perante o aproveitamento levado a cabo pela instituição para-religiosa construída em torno dos referidos “milagres”, que estão longe de estar provados, e que se tornou uma verdadeira empresa capitalista com tudo aquilo que de anti-cristão contém.
É evidente que o papa Francisco foi convidado pela hierarquia católica portuguesa e não veio obrigado. Ele segue uma tradição iniciada por Paulo VI e prosseguida por João Paulo II e Bento XVI, e transmitiu uma excelente mensagem de paz e fraternidade a estas terras, mas vem também, voluntariamente ou não, colocar a chancela da veracidade num conjunto de factos que têm mais a ver com a situação política no Portugal de 1917 e o seu aproveitamento por uma igreja que sendo então alegadamente perseguida pelos “ateus da 1ª República”, não perdeu a oportunidade de santificar alucinações ou quaisquer outros fenómenos paranormais então ocorridos naquelas obscuras paragens em seu favor. A explosão mediática e o oportunismo dos agentes que mediatizaram os “milagres” nada têm a ver com o respeito que me merecem os milhões de pessoas que ao longo de cem anos visitaram aquelas terras em nome de uma fé que tenta remover as montanhas que as têm aprisionado sob a forma de necessidade, doença ou desespero. E de uma devoção que, em muitos casos, já se tornou tradição familiar bem enraizada.
Por isso, insisto: terá sido correcto ser mais papista que o papa e investir nestas cerimónias megalómanas os recursos de um país reconhecidamente em dificuldades? Eu penso que “nem oito, nem oitenta”!

quarta-feira, 17 de maio de 2017


ASSASSINOS "DIPLOMADOS" DA LÍNGUA PORTUGUESA
Carlos Rodarte Veloso

São tantas as asneiras multiplicadas a partir dos media, que parece uma tarefa impossível lutar contra a corrente. Já não bastava o "acordo" ortográfico - que não aceito, nem morto! -
mas junta-se-lhe a "autoridade" das "celebridades" que teimam em assassinar a nossa bela Língua.
Às vezes essa "autoridade" reside apenas no tempo de antena que é concedido mesmo a reconhecidos grunhos como Jorge de Jesus, uma avantesma saída do caos primordial e que não aprende nada, depois de anos a debitar horrores gramaticais. Esse devia viver com uma mordaça na boca!
Outras vezes, esses erros são divulgados por "jornalistas" da imprensa escrita ou da televisão, alguns deles (como José Rodrigues dos Santos) orgulhosamente asneirentos por se terem na conta de "escritores" e darem aulas em universidades! Ou por "escritores" e "escritoras", como as centenas de escrevinhadores da "literatura" light que nos últimos anos se têm multiplicado como cogumelos e, salvo honrosas excepções, demonstram a cada linha o seu desconhecimento das mais simples regras ortográficas e, especialmente, sintáticas.
Devia haver multas para estes assassinos da Língua Portuguesa, que são como que um vírus que se multiplica devido à "autoridade" de que parecem investidos.
Casos há de erros, já de tal forma enraizados, que é muito difícil corrigi-los. É claro que uma melhoria do ensino do Português, especialmente a partir dos primeiros graus de ensino, poderia melhorar a situação, mas quando vemos frequentemente que até professores perpetuam esses erros desde o Ensino Básico ao Superior, o problema torna-se quase insolúvel.
Alguns "bons" exemplos das asneiras com que tropeçamos a cada passo:
~ "ir de encontro a" (que significa negação) em vez de "ir ao encontro de" (que indica afirmação)
~ o "grama" que é uma palavra masculina, tal como quilograma ou quilo (mas que ouvimos continuamente como feminino)
~ "despoletar" (que significa desarmar) em vez de "espoletar" (que significa armar - uma bomba, uma reacção - preparar algo, etc.)
~ palavras como "pode-mos" em vez de "podemos", que é a forma correcta, "há-des" em vez de "hás-de" e muitas outras na mesma onda...
~ a não utilização do h na forma verbal "há", que tem que ver com haver, existir... (Ex.: Há muito tempo)
~a incorrecta utilização desse mesmo h na palavra "à" (Ex.: Eu fui à praia).
Deixo aqui esta pequena reflexão, como uma chamada de atenção para a necessidade de salvarmos, enquanto é tempo, esse tesouro que é uma das Línguas mais belas do mundo, o Português. Os seus verdadeiros escritores são o exemplo a seguir.






segunda-feira, 15 de maio de 2017


TOMAR E O CERCO ÁRABE DE 1190 
OU 
COMO SE CONTA A HISTÓRIA
Carlos Rodarte Veloso

(Publicado em "Correio Transmontano", 14-5-2017)
É quase um lugar-comum dizer-se que a História é escrita pelos vencedores e isso está bem patente na comparação de dois texto escritos por cronistas cristãos e muçulmanos acerca do mesmíssimo acontecimento, o cerco de Tomar pelos mouros almóadas em 1190.

O cerco iniciou-se em 13 de Julho, procurando os muçulmanos recuperar as terras de entre o Mondego e o Tejo, pouco tempo antes reconquistadas por D. Afonso Henriques.
Reinava já em Portugal o seu filho, D. Sancho I, e o castelo de Tomar era defendido pelos cavaleiros templários chefiados por Gualdim Pais, que acolhiam dentro das suas muralhas, como era normal em caso de perigo, os habitantes fugidos das suas casas na parte baixa da Vila.

O cerco durou poucos dias, porque à resistência templária se juntou uma muito oportuna crise de disenteria que obrigou os sitiantes a retirarem-se à pressa para as suas terras no Andaluz, a região da Península Ibérica ainda em poder dos muçulmanos. Antes disso, eles tinham conquistado e destruído o castelo de Torres Novas, permitindo que os seus habitantes, que se tinham rendido, se retirassem sãos e salvos com a única perda dos seus bens.
É desta maneira que Duarte Galvão, cronista português que viveu entre 1445 e 1517, descreve esse acontecimento na Crónica de El-Rei D. Afonso Henriques:
“O Almiramolim, Rei dos Mouros […] passou o Tejo um domingo, dia de S. João Baptista de 1190 […] Logo esse dia foram sobre o Castelo de Torres Novas e destruíram-no. Segunda-Feira puseram um arraial em Monte Pompeu [?] e na Terça-Feira [as avançadas] estavam em Redinha.”
Uma lápide existente no Castelo de Tomar refere igualmente o acontecimento na segunda parte da sua epígrafe [Amorim Rosa, História de Tomar, 1988].
“Era de 1228 [da chamada era de César, usada em Portugal até ao reinado de D. João I, equivalente ao ano de 1190 d.C.]: aos trese dias de Julho veio El-Rei de Marrocos trazendo 400 cavaleiros e 500 peões e cercou este Castelo por seis dias: e destruiu quanto achou fora de muros; e ao Castelo [de Tomar] e ao dito Mestre [D. Gualdim Pais] com seus soldados livrou Deus de suas mãos; o mesmo Rei voltou para a sua pátria com inumerável perda de homens e animais”



Fontes islâmicas comentam o mesmo facto histórico, evidentemente reescrevendo também os factos à luz da sua conveniência, ou seja, vincando os aspectos positivos da sua acção, nomeadamente o seu poder avassalador e a sua misericórdia para com os vencidos.
“A coluna almóada ganhou primeiro Córdova. Depositou aí as suas bagagens mais pesadas, fez as suas provisões de víveres e equipou-se de novo. Depois de ter passado alguns dias nesta cidade, dirigiu-se para o vale do Tejo, atravessou o rio e encaminhou-se para a região de cereais próxima de Santarém; ali devastou ou incendiou um castelo forte de nome Torres [Novas], situado sobre um cume elevado. Este castelo foi assaltado e os ocupantes pediram para o evacuar com as suas mulheres e os seus filhos deixando tudo na praça. Foi-lhes dada satisfação e os almóadas penetraram nesse castelo forte onde encontraram muitos cavalos, armas e objectos mobiliários. Depois de o ter devastado, dirigiram-se para a cidade de Tomar (Thumar), cidade bem defendida, de solo fértil, com vinhas, árvores de fruto e ricos terrenos de cultura. Esta cidade sofreu a mesma sorte de Torres [Novas]: foi saqueada e incendiada. Ao mesmo tempo pontas almóadas eram lançadas em todas as direcções e executavam aí audaciosos golpes de mão. Entretanto, na sua capital, o rei Ibn Anrique [D. Sancho I, filho de D. Afonso Henriques] era condenado à inacção e não podia empreender nada para se opor à coluna almóada. Esta, bem abastecida, não teve necessidade de apressar o seu regresso e continuou os seus raides até ao momento em que o soberano decidiu regressar ao território muçulmano. Este movimento fez-se em boa ordem e o exército, carregado de presa, acabou por regressar a Sevilha.” [“A Expedição de 1190 segundo a Chancelaria Almóada”, António Borges Coelho, Portugal na Espanha Árabe , Lisboa, 1973].

Como está patente no texto não houve pressas nem doença que afectasse os bravos guerreiros do Islão.
Para ambas as crónicas e documentos, os vencedores foram... os Cristãos e os Muçulmanos!
Este exemplo ilustra perfeitamente as cautelas que o historiador tem que ter ao utilizar as fontes documentais disponíveis e o quanto a escrita pode falsear os acontecimentos. Se isso acontece hoje em dia a todo o momento e cada vez mais! O que não falta hoje são fontes históricas, mas honestidade e imparcialidade, nem por isso... Basta comparar as notícias de diferentes media sobre os mesmos factos: a actual guerra na Síria vista por fontes norte-americanas, russas, sírias, turcas, portuguesas de diferentes tendências políticas, por exemplo Como verá a posteridade estes acontecimentos sangrentos, qual será a “verdade” inscrita nos livros de História do futuro?

domingo, 14 de maio de 2017


PEQUENO APONTAMENTO SOBRE A

HISTÓRIA DA PORCELANA EUROPEIA

Carlos Rodarte Veloso

Com a chegada dos Portugueses à China iniciou-se a importação para a Europa de um novo produto cerâmico até então aqui desconhecido: a Porcelana. O seu êxito foi tão grande que a própria Corte, instituições religiosas e particulares abastados começaram a encomendar peças com brazões ou simples legendas. O desconhecimento pelos artífices chineses da iconografia ocidental e da próprio alfabeto latino levou, numa primeira fase, à produção de peças com as letras e os escudos de armas invertidos. Com o aprofundamento das relações comerciais esse erros foram corrigidos e normalizada a circulação dessas cobiçadas baixelas através da naus da Carreira da Índia. Com o alargamento dessas importações ao resto da Europa e o triunfo do capitalismo comercial nas novas potências marítimas – Inglaterra, Holanda, França –, essas peças de importação nacional ganharam a errada designação de “Companhia das Índias”, a qual se manteve até aos nossos dias.


 
A descoberta do segredo do fabrico da porcelana, baseado no caulino, até então apenas conhecido dos Chineses, vai mobilizar a indústria europeia a partir do século XVIII, ao mesmo tempo que cria um gosto que já existia em relação aos originais asiáticos e a que fora dado o nome de chinoiseries.
Um a um, diversos países europeus iniciam a produção, rodeados de um secretismo e segurança  só equivalente aos segredos militares.


As manufacturas surgem sucessivamente em:



   
Meissen, próximo de Dresden, iniciando a sua produção em 1710.
                                                                      


Viena, 1718.
   


       
Sèvres, próximo de Paris. Iniciou a sua produção em 1738, em Vincennes, com o patronato de Luís XV e de Madame de Pompadour.  Mudou-se para Sèvres em 1756.


   
Chelsea, 1745.
           


         
Nymphenburg na Baviera, 1747.
     

    
Berlim, 1751.
                           

                        
Capodimonte, Itália, 1759.
      


   
Buen Retiro, próximo de Madrid, 1760.
    



Vista Alegre, Portugal 1824.




GLOSSÁRIO:
                                    

                                   
Biscuit (sofria dupla cozedura que criava a extraordinária textura e cor branca baço)


Bibelots (bugigangas)




Figuras da Commedia dell’Arte (figuras do teatro popular italiano).




Vitória de Portugal sem ser no futebol!!!
ou
O triunfo da simplicidade


Embora não embandeire em arco com a canção do Salvador, gostei muito da vitória de Portugal perante uma panóplia de canções na sua maior parte desinteressantes, rotineiras e servindo-se despudoradamente de efeitos especiais e outros truques que nada têm que ver com a música. Destacam-se, entre as que vi e ouvi, a da Itália, a da Bélgica e a da Croácia. A vitória esmagadora do Salvador parece inaugurar um novo modelo para a Eurovisão: maior aposta na canção e no/a intérprete e menos no fogo de artifício dos efeitos especiais. No próximo ano , com o festival em Portugal, veremos...
Respondendo a uma Amiga que me pôs a questão, o protagonismo de cada país também tem decerto o seu peso em vitórias destas. Tivemos no passado excelentes representantes no festival da Eurovisão que tiveram escassíssimos votos. Lembro a grande Simone de Oliveira, ainda em grande forma, Paulo de Carvalho e vários outros que cantaram canções de Ary dos Santos, bem superiores à do Salvador. Mas agora temos muito mais representatividade a nível internacional, e está tudo dito. Agora todo o mundo - com a possível excepção do bronco da Casa Branca e seus sequazes - sabe que Portugal existe e não é uma região de Espanha! Hoje temos um português que é "apenas" Secretário-Geral da ONU, outro que foi - não com muita distinção... - Presidente da Comissão Europeia, tivemos um grande Prémio Nobel, temos uma significativa representação em todos os desportos - além do futebol - na investigação científica mundial, e em muitos outros campos que definem o desenvolvimento de um país. E temos uma "Geringonça" que funciona bastante bem e é invejada por muito boa gente e odiada por muito má gente... Essa noção do peso do protagonismo de Portugal num mundo globalizado, não me impede de me congratular e muito, com o resultado de ontem!


sexta-feira, 12 de maio de 2017


VAMOS PROTEGER AS NOSSAS ÁRVORES!!!

Dizem agora que as árvores da Rua dos Arcos vão ser cortadas. Há 23 anos cortaram os freixos da Av. Cândido Madureira por causa das alergias devidas ao "algodão". As alergias continuam muitos anos depois do abate. Agora as vítimas são as lindíssimas árvores da Rua dos Arcos, porque caem ramos (as árvores costumam perder ramos...) e/ou estão doentes. Há essa certeza? É que esse pretexto, que assenta num parecer não apresentado aos cidadãos COM PROVAS, tem sido utilizado por autarquias por esse país fora para justificar abates altamente discutíveis, muitas vezes para disponibilizar espaço para cobrar o estacionamento de automóveis ou... porque sim!... Não basta confiar cegamente no parecer de técnicos, sem a apresentação de PROVAS e sem discussão pública! Já chega de destruição da Natureza sem justificação plenamente aceitável!

Teresa Rodarte, Pintura "Rua dos Arcos"

quinta-feira, 11 de maio de 2017

ESCLAVAGISMO E RACISMO NO PORTUGAL DAS DESCOBERTAS



ESCLAVAGISMO E RACISMO 

NO PORTUGAL DAS DESCOBERTAS

Carlos Rodarte Veloso


Publicado n’ "O Templário" de 11-5-2017

Escravos capturados descem ao porão de navio negreiro
        A propósito de algumas leituras apressadas da nossa História da Expansão, que entronizam os Portugueses como precursores do Abolicionismo ou seja, da extinção da escravatura e, até, do racismo, penso que a verdade histórica não pode ser escamoteada, mesmo por motivos diplomáticos
 No período colonial e esclavagista, o Negro tinha claramente um estatuto de raça inferior: em termos de “impureza de sangue”, do século XVI ao XVIII, estava equiparado aos Judeus, Mouros, heréticos “ou outra infecta raça reprovada”, o que trazia ao marido branco de “mulher de cor” o impedimento de pertencer às Ordens Militares e, aos seus descendentes, de ascenderem à clerezia… Só os “Cristãos-Velhos” de sangue rigorosamente “limpo” o podiam fazer livremente. Note-se que esta atitude não era modificada mesmo que os Negros fossem baptizados, o que acontecia frequentemente.
      Contraditória é a atitude dos Jesuítas, grandes defensores dos direitos dos Índios: embora reconhecendo a necessidade de os Negros serem bem tratados e lhes reconhecessem a racionalidade e outras qualidades “próprias de seres humanos”, argumentavam que a melhor protecção à liberdade dos seus protegidos seria a importação de escravos africanos… Estes, por sua vez, assim salvariam as suas almas ao serem baptizados, a mais hipócrita das razões, já avançada, no século XV pelo cronista do Infante D. Henrique, Gomes Eanes de Zurara, dividido entre a obediência ao seu suserano e a tristeza que dele se apoderou perante os primeiros escravos chegados a Lagos:

“Mas qual seria o coração, por duro que ser pudesse, que não fosse pungido de piedoso sentimento, vendo assim aquela companha? Que uns tinham as caras baixas e os rostros lavados com lagrimas, olhando uns contra os outros […] Mas para seu dó ser mais acrecentado, sobrevieram aqueles que tinham cargo de partilha e começaram de os apartarem uns dos outros, a  fim de poerem seus quinhões em igualeza; onde convinha de necessidade de se apartarem os filhos dos padres, e as mulheres dos maridos e os irmãos dos outros. A amigos nem a parentes não se guardava nenhuma lei, somente cada um caía onde a sorte levava!
Quem poderia acabar aquela partição sem mui grande trabalho? Que tanto que os tinham postos em uma parte, os filhos, que viam os padres na outra, alevantavam-se rijamente e iam-se para eles; as madres apertavam os outros filhos nos braços e lançavam-se com eles de bruços, recebendo feridas, com pouca piedade de suas carnes, por lhe não serem tirados! […]
O Infante era ali em cima de um poderoso cavalo, acompanhado de suas gentes […] e das almas que lhe cabiam do quinto, fez delas sua partilha […] considerando com grande prazer na salvação daquelas almas, que antes eram perdidas. E certamente que seu pensamento não era vão, que, como ja dissemos, tanto que estes haviam conhecimento da linguagem, com pequeno movimento se tornavam Cristãos.”

 Gomes Eanes de Zurara, Crónica do Descobrimento e Conquista de Guiné

                Calavam assim os Jesuítas os protestos dos colonos, ávidos de mão-de-obra escrava, sem tocar nos interesses económicos da Companhia nem dos Colonos. Os Padres Andreoni,  Benci e outros Jesuítas, como o fizera António Vieira, sempre exigiram um tratamento humano para os escravos, mas sem nunca colocar em causa o estatuto de escravidão.       
                A segregação social tocava todos os aspectos da vida social. Mesmo a acesso a certos conventos era interdito, se houvesse sequer a suspeita de “nódoa de mulatice”! Curiosamente, era mais fácil a uma “mulata clara” ingressar num convento da Metrópole do que num da Colónia. Mais racista ainda, se isso fosse possível, era o das Carmelitas Descalças Teresianas, em 1680 estabelecidas em Olinda, que apenas aceitavam “mulheres brancas vindas do Reino”, recusando quaisquer brasileiras, mesmo que “brancas puras”!
                Como seria de esperar, as reacções dos visados pelo preconceito acabaram inevitavelmente por surgir: pela via pacífica, através da adesão a Confrarias como a Irmandade do Santíssimo Rosário dos Homens Negros, que concedia numerosos privilégios aos seus membros, mesmo que escravos.

Assalto do exército regular ao
Quilombo de Palmares
                Mas nem sempre foi pacífica a resposta dos oprimidos: também a violência dos escravos respondeu à violência da escravatura pela célebre revolta dos “Quilombos”, como o de Palmares, que só o emprego do exército regular conseguiu neutralizar.
                Um caso especial dentro da problemática racial, que mereceria talvez um desenvolvimento à parte, é o das Mulatas, objecto da especial preferência dos Brancos, mesmo em desfavor das mulheres brancas. Estas, sentindo-se preteridas, frequentemente utilizavam contra as suas rivais dos meios que a sua predominância social lhes permitia, sendo a Literatura fértil em referências a casos desses. A própria legislação era vexatória, equiparando os Mulatos aos escravos, o que lhes proibia usar armas, roupas caras ou outros quaisquer sinais que os elevassem ao nível dos Brancos. Se é verdade que esta legislação era aplicada nas Cidades, nos agregados menores e periféricos era geralmente quase ignorada, dada a escassez de mulheres brancas.
                Mas o que parece incontroverso é que, pelo menos no período colonial, o estatuto de negritude, em qualquer grau que fosse, equivalia sempre a uma inferiorização racial e não apenas social.
                No fundo, o problema básico era a organização patriarcal da sociedade, especialmente nas zonas agrárias do latifúndio e da monocultura, tendo o chefe de família direito de vida e de morte sobre todos os membros. Sabemos que em caso de “deslizes”, reais ou imaginários, de meninas da casa com escravos, estes eram habitualmente torturados, castrados e enterrados vivos. Quanto às meninas, eram “passadas” a um “primo pobre”, pronto a aceitar a “desonra” a troco de um bom dote…
                Estamos então a falar de um conceito paternalista e quase benevolente da escravidão, como defende Gilberto Freyre no seu “Luso-Tropicalismo” ou, pelo contrário, do epítome da sua natureza desumana, que nem a aculturação linguística, as estorinhas das amas negras, a adopção dos costumes e da gastronomia indígenas ou africanas pelos brancos, alguma vez poderão adoçar?
O Marquês de Pombal, que em boa hora extinguiu a escravidão na Metrópole, nada fez quanto ao comércio negreiro intercolonial e ao próprio estatuto da escravatura nas possessões ultramarinas, excepto no que toca aos Índios do Brasil. Nem o fim da escravatura e do consequente comércio negreiro termina, “de facto”, antes de 1856 ou seja, com algum atraso em relação a diversos países europeus.


Para que conste.