quinta-feira, 18 de maio de 2017


HABEMUS PAPAM
Carlos Rodarte Veloso
(O Templário de 18-5-2017)
O centenário das “aparições de Nossa Senhora” em Fátima tem proporcionado o maior espectáculo mediático dos últimos anos. Só os campeonatos internacionais de futebol em que Portugal participa têm uma equivalente atenção dos poderes públicos.
Num país identificado constitucionalmente como laico embora habitado por uma maioria de católicos – não muito praticantes, diga-se de passagem – poderá ser considerado muito estranho o cuidado posto pelos media estatais em bombardear o público com notícias aprofundadas “ad nauseam” de todos os passos, factos e notícias relacionadas com as comemorações dos “milagres” de Fátima, para mais com a noção de que não se trata de dogma de fé, segundo o próprio Vaticano. A “tolerância de ponto” concedida pelo Governo em ordem a que um número máximo de portugueses possa participar nas ditas comemorações, não “cola” com a tal laicidade garantida pela Constituição, ferindo de parcialidade o tratamento que se desejaria igual ao concedido às outras religiões – e, até, não-religiões – existentes no território nacional.
Claro que o que dá especial realce a estas comemorações é a vinda a Portugal de mais um papa, desta vez, a meu ver, um verdadeiramente bom papa, acima de tudo um bom homem, que tem procurado transcender os vícios muito mundanos da retrógrada hierarquia católica que o rodeia e constitui uma corte palaciana com muito mais de medieval do que de cristão. Esse facto justifica, a meu ver, o respeito que lhe é devido mesmo pelos órgãos de soberania, não esquecendo que para além da sua condição de dirigente religioso, ele é também um Chefe de Estado embora não tenha vindo nessa condição mas na de Peregrino, como ele próprio insiste em vincar.
Ninguém pode assim pôr em causa a importância do seu papel num mundo cada vez mais selvagem, ele que parece vocacionado para encontrar as pontes fundamentais para unir crenças, povos, dirigentes hostis entre si, e tem merecido o respeito de crentes e descrentes de todo o mundo. A única excepção parece ser o bando de criminosos do “estado islâmico”, o que ainda mais abona a seu favor. Por isso não contenho a minha indignação perante o aproveitamento levado a cabo pela instituição para-religiosa construída em torno dos referidos “milagres”, que estão longe de estar provados, e que se tornou uma verdadeira empresa capitalista com tudo aquilo que de anti-cristão contém.
É evidente que o papa Francisco foi convidado pela hierarquia católica portuguesa e não veio obrigado. Ele segue uma tradição iniciada por Paulo VI e prosseguida por João Paulo II e Bento XVI, e transmitiu uma excelente mensagem de paz e fraternidade a estas terras, mas vem também, voluntariamente ou não, colocar a chancela da veracidade num conjunto de factos que têm mais a ver com a situação política no Portugal de 1917 e o seu aproveitamento por uma igreja que sendo então alegadamente perseguida pelos “ateus da 1ª República”, não perdeu a oportunidade de santificar alucinações ou quaisquer outros fenómenos paranormais então ocorridos naquelas obscuras paragens em seu favor. A explosão mediática e o oportunismo dos agentes que mediatizaram os “milagres” nada têm a ver com o respeito que me merecem os milhões de pessoas que ao longo de cem anos visitaram aquelas terras em nome de uma fé que tenta remover as montanhas que as têm aprisionado sob a forma de necessidade, doença ou desespero. E de uma devoção que, em muitos casos, já se tornou tradição familiar bem enraizada.
Por isso, insisto: terá sido correcto ser mais papista que o papa e investir nestas cerimónias megalómanas os recursos de um país reconhecidamente em dificuldades? Eu penso que “nem oito, nem oitenta”!

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