terça-feira, 9 de maio de 2017



ARQUITECTURA TEMPLÁRIA

Carlos Rodarte Veloso

ARQUITECTURA TEMPLÁRIA
Carlos Veloso

MILITAR
Fortalezas

Na sequência da 1ª Cruzada, os Templários constroem ou reconstroem uma série de fortalezas ao longo de fronteira síria, de forma a defender o recém-nascido Reino Latino de Jerusalém, entre outros, os castelos, hoje em ruínas, de Chastellet (1186-87), de Atlit ou Castelo Peregrino (1217-18) e de Safed (1240).

Em Portugal o primeiro castelo templário terá sido o de Soure, primeira sede templária no reino, doado por D. Teresa à Ordem do Templo no ano de 1128. No entanto, este castelo, existente desde finais do século XI, beneficiou de diversas obras até 1140 e até ao fim do século XII. Tal como outros castelos-irmãos, beneficiou da introdução da torre de menagem, isolada das muralhas e sobressaindo de todo o conjunto monumental.

É muito provavelmente a primeira construção dotada de alambor introduzida em Portugal pelos Templários, consistindo num escarpamento da base da muralha em aparelho de alvenaria, destinada a reforçar a estabilidade e resistência dos muros contra os engenhos de cerco e a dificultar a sua minagem. Esta estrutura foi depois utilizada noutras fortalezas templárias, por vezes substituída – quando a topografia do terreno o permitia – pelo assentamento directo das muralhas na rocha viva.
D. Gualdim Pais, cavaleiro participante na 2ª Cruzada pregada por S. Bernardo (1146), torna-se mestre provincial da Ordem do Templo no ano de 1158. Será ele o promotor de grande parte das fortalezas construídas em Portugal no século XII. A primeira grande obra que lhe está associada terá sido o Castelo de Pombal, cuja construção foi iniciado ainda em 1156.


Castelo de Soure

Alambor do castelo de Soure

 Segue-se o castelo de Tomar, fundado em 1 de Março de 1160 e tornado sede da Ordem do Templo, a mais poderosa fortaleza construído em Portugal no século XII. Parece apresentar ainda os vestígios da implantação de uma outra inovação templária, o hurdício, plataforma de madeira instalada no alto das torres e paredes exteriores da fortaleza, destinada a proporcionar o arremesso de projécteis sobre a base da muralha. 

Torre de menagem do castelo de Tomar

Cubelos do castelo de Tomar

O Castelo de Almourol, reconstruído em 1171 numa ilha granítica do Tejo, constituía com Tomar parte importante da linha de defesa do Tejo face à ameaça muçulmana. 

Castelo de Almourol

O Castelo de Penas Róias (Mogadouro) de 1172, hoje em ruínas, assenta directamente sobre a rocha viva.
O Castelo de Longroiva, de 1174, apresenta também os vestígios do hurdício.


Castelo de Longroiva

Hurdício (desenho IPAAR)

RELIGIOSA

Edifícios de planta centralizada

Com a vitória do Cristianismo, o edifício romano eleito como templo não foi o templo pagão, já que o espaço interior do edifício era importante para a liturgia cristã, mas a basílica, edifício civil e público que preenchia todos os requisitos. Para os edifícios religiosos  com funções muito específicas e ocupação mais resevada, como capelas funerárias, baptistérios, certos santuários e capelas votivas, por exemplo, era preferido o edifício de planta centralizada com cúpula, caso do túmulo de Santa Constança, em Roma, construído no século IV.

Túmulo de Santa Constança em Roma

Em certos casos, há uma fusão da basílica com o túmulo de um santo ou mártir, denominada basílica-martyrium, sempre relacionada com narrativas das Sagradas Escrituras.
É o caso do Santo Sepulcro de Jerusalém, construído por ordem de Constantino c. 326 que, depois de destruído na sequência da invasão muçulmana  de 638, e reconstruído em 1048, consta de uma grande rotunda, a Anastasis (Ressurreição) envolvida por um deambulatório de forma irregular, associada a uma basílica de cinco naves. Esta basílica terá evoluído em extensão desde a primitiva construção constantiniana até ao século XI.

Santo Sepulcro de Jerusalém - Planta

Também a Basílica da Natividade em Belém revela algumas analogias com o Santo Sepulcro, pela associação de uma planta centralizada, correspondente ao local onde teria nascido Jesus Cristo, com uma planta basilical.
Há diversas variantes das plantas centralizadas, desde o círculo perfeito às diferentes formas poligonais regulares, sendo dominantes o hexágono e o octógono. Sem ligação directa com a Ordem do Templo, poderemos apontar a Capela Palatina de Carlos Magno em Aix la-Chapelle – actual Aachen – cuja planta centralizada, tal como a Rotunda Templária de Tomar, consta de dois polígonos concêntricos.

Capela Palatina de Aix-la-Chapelle

Não é, no entanto, nesta capela que devemos procurar a inspiração para o monumento de Tomar mas, inesperadamente, num monumento islâmico cristianizado, a famosa Cúpula do Rochedo, a mesquita construída sobre o local do destruído Templo de Jerusalém, sobre a rocha onde os Judeus acreditavam ter tido lugar o episódio bíblico da oferta em sacrifício de Isac, filho de Abraão. Aí também teria repousado a Arca da Aliança. Daí, segundo a tradição islâmica, o profeta Mohamed teria partido para a sua viagem aos céus, após uma viagem mágica entre Meca e Jerusalém. A sua construção (685-691), ordenada por Abd al-Malik, destinava-se a proporcionar aos muçulmanos um monumento religioso digno dos lugares santos do cristianismo, a começar pelo Santo Sepulcro.


Cúpula do Rochedo em Jerusalém


De facto e na sequência de 1ª Cruzada, que conquistou Jerusalém em 1099, os edifícios islâmicos foram sagrados como templos cristãos, passando a Cúpula do Rochedo à condição de igreja católica denominada Templum Domini, o que a identificava, em conjunto com a Mesquita de al-Aqsa, com o Templo de Salomão sobre cujas ruínas foram edificadas, no local hoje chamado Esplanada das Mesquitas.

Esplanada das Mesquitas em Jerusalém

Cerca de 1120, segundo a crónica de Guilherme de Tiro, o rei de Jerusalém Balduíno II recebeu Hugo de Payns e os seus companheiros, alojando-os numa ala do seu palácio, próximo do Templum Domini. Ficaram assim os primeiros templários associados a esta mesquita convertida.

Balduíno II recebe Hugo de Payns e seus companheiros

Não é pois de admirar que, regressados da Terra Santa, os templários portugueses tenham procurado reproduzir estes sagrados monumentos na sua pátria, ou seja, como defende Carlos Emanuel Santos, “transformar Tomar no Umbigo do Mundo, no Centro do Universo [...] Desta forma, pode-se explicar a existência de várias tentativas de construir a imagem da Cidade Santa de Jerusalém trazida pelos cruzados, em Tomar”.  E a concretização desse desejo é precisamente a construção da Charola de Tomar, construída numa primeira fase nos finais do século XII, possivelmente como capela funerária.                 
Segundo Paulo Pereira, “ter-se-á pretendido reproduzir a ‘imagem’ do Santo Sepulcro de Jerusalém ou da Mesquita de Omar (designação erradamente atribuída à Cúpula do Rochedo) [...] Por esta altura a ‘imitação’ ou a cópia’ não implicava uma reprodução fidedigna do modelo original. Antes se cingia, e com os mesmos efeitos simbólicos, à reprodução de uma ou duas características do edifício-modelo”.     

Rotunda do Convento de Cristo de Tomar

Rotunda do Convento de Cristo de Tomar
A primeira iluminura apresentada é a mais antiga, representando a Charola com a sua porta original, voltada a nascente, hoje substituída pelo janelão renascença de João de Castilho, o coruchéu que cobria a torre sineira e a dupla cobertura do edifício destruída em 1509 por um raio. A planta da Charola de Tomar evoca muito imediatamente a Anastasis do Santo Sepulcro, o local do túmulo de Cristo, envolvido por oito pilares simbolizando a Ressurreição. Por outro lado e de acordo com Carlos Emanuel Santos, o facto de o monumento estar assente sobre uma superfície rochosa remete para o “Rochedo” da mesquita de Jerusalém, protegido pela famosa cúpula que lhe dá o nome. Essa pedra teria ainda sido, segundo a tradição judaica, o travesseiro de Jacob em Betel, quando sonha com uma “escada dos anjos” conduzindo ao céu (Gn., 28, 11), portanto como que uma “porta do céu”. A associação neste local ao culto das três Religiões do Livro, isto é, às três religiões monoteístas, torna Jerusalém a Cidade Santa do Judaísmo, do Cristianismo e do Islamismo.

Iluminura da Charola com a sua porta original, voltada a nascente

Iluminura da Charola com o janelão voltado a nascente

Uma pintura existente na Igreja templária de Santa Maria do Olival em Tomar evoca a cidade de Jerusalém, como pano de fundo de um Calvário, hoje  amputado por a cruz em relevo que lhe estava aposta ter sido reutilizada como crucifixo no respectivo altar-mor. Na representação da capital da Terra Santa avulta, cercada pelas respectivas muralhas, a Charola, que tanto pode ser a do Santo Sepulcro, como a do Convento de Cristo de Tomar.    

Pintura existente na Igreja de Santa Maria do Olival em Tomar

Pintura existente na Igreja de Santa Maria do Olival em Tomar
(Pormenor)

Outros monumentos templários apresentam numerosos paralelismos com a Charola do Convento de Cristo, segundo modelos muito próximos desse tipo de planta centralizada. Em Espanha podemos apontar o caso da Igreja templária de Vera Cruz de Segóvia, edificada numa época muito próxima e ainda pelo facto de o seu deambulatório anelar envolver também uma pequena rotunda central coberta com abóbada de canhão.
O mesmo tipo de edifícios surge ainda associado aos Templários no país vizinho. É o caso da Igreja de Santa Maria de Eunate, em Navarra, designação que indica, em euskera, “cem portas”, alusão à arcaria do claustro que rodeia o perímetro da igreja.


Igreja de Santa Maria de Eunate, em Navarra


Fora da Península Ibérica poderemos apontar as Igrejas do Templo de Paris e de Londres. O que restava da primeira – a Tour du Temple – foi destruída em 1808 por ordem de Napoleão Bonaparte.Resta a de Londres, de 1185, um magnífico exemplo gótico aplicado a uma estrutura centralizada. Tem numerosas analogias com a Igreja do Santo Sepulcro de Jerusalém, nomeadamente a associação, mais tardia, com o Presbitério, de planta basilical.

Igreja do Templo, em Londres


ARQUITECTURA RELIGIOSA
Edifícios de planta basilical

No entanto, a construção de igrejas monacais preferiu a planta basilical à centralizada, por preencher os requisitos impostos por uma liturgia destinada a proporcionar aos fiéis um espaço cómodo em termos de ocupação, e uma boa iluminação e, consequentemente, boa visibilidade.
Nesse aspecto é a igreja cisterciense, inspirada nos conceitos artísticos de S. Bernardo de Claraval, criador da Ordem de Cister, mas também o principal ideólogo da mística e da Regra que viria a ser adoptada pela milícia templária, inicialmente obediente à Regra agostiniana. O melhor exemplo português deste conceito arquitectónico é a igreja do Mosteiro de Alcobaça.
No prólogo da Regra primitiva da Ordem do Templo, pode ler-se: “Eu, Jean Michel, pela graça de Deus, mereci ser o humilde redactor da presente Regra, por determinação do Concílio [de Troyes] e do padre Bernardo, abade de Claraval, a quem essa divina tarefa foi cometida”
Na sua carta a Guilherme de Saint-Thierry, Bernardo de Claraval  alerta-o para o tipo de arquitectura desejável para a Casa de Deus, estabelecendo assim os princípios a que deveria cingir-se a arte cisterciense e repudiando uma série de tipos iconográficos.
«Abandono as imensas alturas dos oratórios, as desmesuradas longitudes, as larguras desnecessárias, as sumptuosas decorações, as curiosas pinturas que fazem desviar as atenções dos que rezam e impedem a sua devoção e que para mim, de certa forma, representam o antigo rito dos judeus [...]
Que vêm fazer nos vossos claustros, onde os irmãos se dedicam às santas leituras, estes monstros grotescos, estas extraordinárias belezas disformes e estas belas disformidades?
Que significam aqui macacos imundos, ferozes leões, bizarros centauros que não passam de semi-homens?
Porquê estes maculados tigres? Porquê guerreiros em combate? Porquê caçadores tocando trompa?
Aqui vêem-se tantos corpos com uma só cabeça, quantas as cabeças com um só corpo. Aqui um quadrúpede arrasta uma cauda de réptil, ali um peixe apresenta corpo de quadrúpede. Aqui um animal está a cavalo. Enfim, a diversidade destas formas surge tão múltipla e maravilhosa que agrada mais ler nos mármores que nos manuscritos e ocupar todo o dia admirando estas coisas raras que meditar na lei de Deus. Por Deus, se não têm vergonha de fazer estes disparates, ao menos que se arrependam dos gastos inúteis.»

Nave central da igreja do Mosteiro de Alcobaça


Expressão  das procupações do abade de Claraval é o despojamento, tanto das igrejas da Ordem de Cister, como dos templos templários, em que a decoração é quase inexistente, nomeadamente ao nível de capitéis e o colorido dos vitrais fica limitado a tons neutros e opalescentes. Essa iluminação favorece a meditação e a oração, criando um ambiente acolhedor e místico.
A Igreja templária de Santa Maria do Olival, reconstruída no reinado de D. Afonso III, na 2ª metade do século XIII, é obra de mestre anónimo, possivelmente formado nos estaleiros de Alcobaça.

Interior da Igreja de Santa Maria do Olival, Tomar

Esta igreja tornou-se o modelo de grande parte das igrejas de média dimensão e três naves espalhadas por Portugal até ao período manuelino, alastrando o seu exemplo às Ilhas Atlânticas, tornando-se assim a sede apostólica das terras descobertas e suas igrejas (exemplos: Igreja de S. João Baptista, Tomar, Matriz da Golegã e Sé do Funchal).
 Igreja de Santa Maria do Olival, Tomar

Não estava pois integrada em nenhuma diocese gozando assim do privilégio de “isento”, cuja designação canónica era  Nullius Diocesis. Só mais tarde, com a criação das dioceses ultramarinas, esse estatuto foi modificado.


Igreja de S. João Baptista, Tomar

Igreja matriz da Golegã

Sé do Funchal
                 

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