domingo, 28 de maio de 2017


FINISTERRA

Carlos Rodarte Veloso

(Publicado no "Correio Transmontano", 28 de Maio de 2017)

                A magia do mar desde sempre impressionou os humanos, mais ainda quando no seu encontro com notórios acidentes geográficos terrestres, os cabos, estabelece a fronteira entre o conhecido e o desconhecido, entre a vulgaridade do dia-a-dia e o desafio de longínquas paragens, porventura habitadas por seres extraordinários e misteriosos, decerto perigosas e, como tal, dignas de um sagrado temor.




Os cabos são assim objecto de uma muito especial mística, mormente quando voltados a um mar sem limites aparentes, frente à sólida estruturas dos Continentes.

                A norte das Rias Baixas, na Galiza, numa paisagem habitualmente envolta em brumas, recortam-se as Rias Altas, menos pronunciadas mas nem por isso menos impressionantes. No limite entre umas e outras, o lendário Cabo Finisterra, “Fisterra” no dizer regional, “fim do mundo” dos Antigos e contraponto, a norte, da nossa Ponta de Sagres — o velho “Promontório Sagrado” dos Romanos —, como ela voltado ao “Mar Oceano” e ao Ocidente.
                Situado na Província da Corunha, a pouco mais de cem quilómetros de Santiago de Compostela, delimita a sul a costa pedregosa onde tantos navios naufragaram a ponto de lhe ser dado o nome de Costa da Morte. O farol e a sua poderosa sereia parecem replicar a macabra denominação, enquanto a nossos pés se espraia o imenso espelho do Oceano, reflectindo as cores do poente. Ao pôr-do-sol, o mágico momento do silêncio tem grupos de espectadores, dispersos pelas falésias, num ritual mudo que se impõe naturalmente.
                Próximo, na base do promontório, o granito de uma pequena igreja românica, frente ao cemitério, encerra uma imagem de Cristo muito venerada pelos marinheiros. Na povoação, um grupo escultórico em pedra e bronze, dedicado a estes nossos irmãos pelas origens e pela língua, como nós emigrantes, “leva o noso amor ós galegos espalados polo mundo”.
                A estrada serpenteante que, através das Rias Baixas, conduz à vila de Fisterra, contorna enseadas amenas que orlam pequenas povoações piscatórias de uma beleza calma, por entre visões de sonho de montanhas emergindo do nevoeiro, como que pairando sobre as águas. Na baía de Ezaro o eco das ondas repercute-se nas falésias e enche a praia de sons que, em cascata, se prolongam na travessia. Topónimos familiares à nossa língua alternam com estranhos nomes: Noia, Muros, Serres, Carnota, Cée, Corcubión… As próprias inscrições lembram, a cada momento, a língua comum que o centralismo castelhano tentou calar durante a ditadura de Franco.
                Nos campos próximos e, até, à beira-mar, avultam as formas inconfundíveis dos hórreos, tão similares aos populares “espigueiros” do norte de Portugal, lembrando uma continuidade cultural que se reconhece a cada passo, até na língua que, diz-se, apenas difere do Português numa escrita e, principalmente, numa pronúncia em que é evidente alguma promiscuidade com o Castelhano. Aliás, são os Galegos os únicos “espanhóis” que nos entendem sem nos obrigar a qualquer esforço de pronúncia… Mas não lhes chamem “espanhóis” porque, como disse a grande Poeta galega Rosalia de Castro, “Pobre Galicia, non debes chamarte nunca española / Qu'España de ti s'olvida cando eres ¡ai! tan hermosa.”
                Rumando a outras paragens da Galiza, somos dominados por essa nostalgia, tão portuguesa, a que nós chamamos saudade e os Galegos, morriña

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