segunda-feira, 30 de abril de 2018



UMA LUA CICLOTÍMICA 
OU
AS ENGANADORAS FASES DA LUA

Carlos Rodarte Veloso
"Correio Transmontano", 29 de Abril de 2018


Aprendemos, ainda na Escola Primária – na minha geração aprendia-se... – que “a Lua é mentirosa”, isto baseado no facto de no Quarto Crescente aparentar a forma de um D, e no Quarto Minguante, de um C. Entendendo-se o D como “decrescente” e o C como Crescente, tínhamos aqui a mnemónica segura para não mais esquecer, a da “Lua mentirosa”.
E não esqueci, ao longo de toda a metade do século XX em que existi... até que, muito perto do seu final, exactamente a 3 de Dezembro de 2000, uma viagem ao Estado de Rio Grande do Sul, no Brasil, fez vacilar as minhas certezas sobre o aparente equilíbrio do Universo que a tal mnemónica garantia.
Quando parti de Lisboa, olhei o céu nocturno e vi o nosso fiel satélite num magnífico Quarto Crescente, o pretenso D da minha astronomia de trazer por casa. E era mesmo de trazer por casa pois, quando cheguei a Porto Alegre, aquela Lua brasileira, passadas as cerca de 14 horas dos dois voos que lá me puseram, ria-se de mim, transmutada num C, desta vez verdadeira relativamente à face que apresentava, um Quarto Crescente “verdadeiro”!
À minha pergunta, a alguns compatriotas que me tinham acompanhado e a brasileiros que nos receberam, uns e outros com diplomas de cursos superiores em diversas áreas, não souberam responder à minha dúvida, talvez até suspeitosos da veracidade da minha observação. “O homem é um despistado, agora deu em observador de fenómenos cósmicos?”, lia eu nas entrelinhas...
Regressado a este jardim à beira-mar plantado, tentei averiguar se os sentidos me haviam enganado, inquirindo outras pessoas, mas fiquei na mesma, acabando por arquivar o assunto no meu disco rígido, mas sem mais o esquecer.
Só passados 4 anos sobre essa viagem ao “País Irmão”, me surgiu a brilhante ideia de consultar o Google, tira-teimas cada vez mais usado noutros sectores que não intervinham nas coisas planetárias.
E não é que em “Fases da Lua”, num site brasileiro precisamente de Porto Alegre (http://astro.if.ufrgs.br/lua/lua.htm), veja-se a coincidência, vou encontrar a explicação para esta diferença na abóbada celeste, observada em diferentes países? A passagem do Equador representa uma autêntica cambalhota e, tal como as constelações mudam, os astros e, neste caso a Lua, observada nas hemisférios norte e sul, corresponde em termos das fases intermédias, a passagem de um “D” para um “C”.
No entanto, tudo era uma questão de raciocinar um pouco: quando na história da Expansão as nossa naus atravessaram o Equador, os seus tripulantes deixaram gradualmente de ver as nossas velhas constelações e encontraram-se perante um céu desconhecido, onde avultava, em vez da Estrela Polar da Ursa Menor, que indicava o Norte, a constelação do Cruzeiro do Sul, que passou a orientar os navegadores para o Sul. No entanto os planetas conhecidos mantiveram-se presentes, só que observados de um ponto de vista invertido, o que é mais evidente em relação à Lua, pela sua dimensão devido à sua proximidade...
Deixo aqui este muito simples apontamento, porque penso que se trata de um fenómeno pouco conhecido da maioria dos não-astrónomos.

quinta-feira, 26 de abril de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR

3. A MARCA DE JOÃO DE CASTILHO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 19 de Abril de 2018

"Continuação  de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

               Símbolos de uma Cidade constantemente agredida no seu património, com especial incidência da segunda metade do século XIX até aos anos Sessenta do século XX, aos Palácios do Duque de Aveiro e dos Raimundo de Noronha vêm juntar-se muitas outras edificações, hoje destruídas ou, no mínimo, totalmente desfiguradas ou mutiladas, de que falaremos a seguir.

               Também João de Castilho em muito contribuiu para o embelezamento de Tomar, assim convertida num dos símbolos mais universais da arte quinhentista em Portugal. Criador de beleza, encontramo-la repartida pelo País e no Norte de África: da Sé de Braga aos Jerónimos, de Vila do Conde a Mazagão, para não falar em dezenas de intervenções, sempre de grande qualidade, em tantas localidades e monumentos, depois de ter iniciado a vida profissional em Espanha, seu país natal.
               A presença de Castilho em Tomar é sublinhada pela intervenção decisiva no Convento de Cristo e proximidades, onde exercita a sua extraordinária capacidade de assimilação de gostos e formas artísticas.
            Uma tal personagem, para mais elevada a mestre das obras régias em 1528, rico e nobilitado, residente e senhor de várias propriedades em Tomar, logo ganhou no imaginário popular uma aura que levou a encontrar-lhe o rasto em grandes e pequenas coisas, por vezes sem qualquer relação directa com a sua pessoa.
            O livro de María Ealo de Sá, com colaboração de Alberto Luna Samperio,  “O Arquitecto João de Castilho, ‘O Construtor do Mundo’ ” (Imprenta Pellon, Santander, 2009) é decerto a obra mais exaustiva sobre as construções atribuídas ao Mestre ou à sua influência, estando associado a cinco monumentos considerados pela Unesco como Património da Humanidade.


            Entre essas pequenas grandes coisas, encontra-se o edifício que foi “desmontado” e reedificado em 1968 e que, desde o ano seguinte até 1997 foi Biblioteca Municipal. Segundo a crença popular, não documentada, teria sido aqui a sua morada (Fig. 1). Esta reedificação após a “necessária” demolição, mais que discutível, especialmente pelos motivos invocados — o alinhamento das Ruas Silva Magalhães e Alexandre Herculano — foi, no entanto, advogada por Amorim Rosa, importante investigador e defensor das coisas de Tomar, mas por demais benevolente em relação a tudo quanto fosse obra do “Estado Novo” ou seus apoiantes…


            De qualquer modo, mesmo adulterada, quanto mais não seja no enquadramento urbano, a bela casa ostenta ainda os seus títulos de nobreza: a bela janela de ângulo com balaústres (Fig.2), bem ao gosto da Renascença, acompanhada de outras duas na fachada leste, uma com avental, a outra avarandada, sendo de destacar, em todas, a elegância das molduras, balaústres, mísulas e outros elementos decorativos.
            Menos espectaculares mas, mesmo assim, de boa qualidade, podem apreciar-se outros elementos externos, como a porta e diversas cantarias lavradas do interior, algumas ainda ao gosto manuelino. Como foi dito, nada documenta a sua ligação ao Mestre do Convento de Cristo, mas o gosto e a qualidade do que resta não os envergonharia decerto, sendo possivelmente obra de discípulo seu.
            Próximo, na Travessa de Gil de Avô, houve uns Paços de João de Castilho, mas do filho primogénito do Mestre, homónimo do pai que, no dizer de Sousa Viterbo, teria desempenhado importantes cargos palacianos. Desta desaparecida construção, pouco considerável em termos de grandeza — como acontecia com a maioria das casas nobres de Tomar — eram elementos notáveis o jardim e a horta descritos ainda por Vieira Guimarães, que ainda os pôde ver, “irrigados à moda árabe, pela água de canais manilhados, que partiam dum grande tanque, alimentado pela respectiva roda do rio”, e a larga escadaria de pedra que dava acesso à porta “duma elegante e alta cúpula abobadada casa de regalo  com amplas janelas, nas outras três faces […]” .
            De nada lhe valeram os seus pergaminhos quando, diz o mesmo Vieira Guimarães, “o camartelo da civilização as demoliu para dar passagem à Avenida [Marquês de Tomar] ” …
            Outras construções quinhentistas de Tomar têm sido reivindicadas para a autoria “castilhiana” ou, no mínimo, para a sua influência. Não é comprovável a primeira, mas mais que garantida a segunda, quanto mais não seja pela peso que nesta Cidade — e em todo o País — sempre tiveram as obras do Convento, tantas delas da responsabilidade do ilustre “mestre de pedraria”.

(Fotos: C. Veloso)


quarta-feira, 25 de abril de 2018




25 de Abril
                         Esta é a madrugada que eu esperava
                         O dia inicial inteiro e limpo
                         Onde emergimos da noite e do silêncio
                         E livres habitamos a substância do tempo

                         Sophia de Mello Breyner Andresen,
                         “O Nome das Coisas”, 1977

Também eu esperei ansiosamente esse dia luminoso, não desde que nasci, evidentemente, mas desde o dia de 1965 em que participai numa greve escolar e aprendi à minha custa o preço da coerência e da coragem.
Por isso me fui então distanciando do rebanho, atento, venerador e obrigado, mas também ingénuo, de que fazia parte a maioria dos meus colegas.
Olho agora para trás, 44 anos após o maravilhoso Dia da Liberdade e 53 depois da minha libertação pessoal, e revejo-me cada vez mais empenhado na luta contra o Estado pseudo-Novo, na luta estudantil e, uma vez na tropa, nos movimentos que conduziram à formação do Movimento das Forças Armadas, ao frustrado 16 de Março das Caldas da Rainha e ao glorioso 25 de Abril.
À inevitável pergunta, “Valeu a pena?”, respondo sem hesitar: “Apesar dos erros cometidos, das escolhas nem sempre correctas e dos recuos que o ideal de Abril sofreu e sofre, valeu a pena, sim! No meio das névoas que por vezes ensombraram este País e este Povo durante os 44 anos que agora celebramos, mesmo face aos odiosos ataques dos saudosos desses ‘bons velhos tempos’ em que imperavam a desigualdade e a injustiça, assistimos ao recrudescimento do espírito que lançou para as ruas os militares e as multidões que enterraram o fascismo. Que a terra lhe seja bem pesada!

Carlos Rodarte Veloso


segunda-feira, 23 de abril de 2018


23 DE ABRIL, DIA MUNDIAL DO LIVRO 
E DOS DIREITOS DE AUTOR

DAS PLACAS DE BARRO SUMÉRIAS COM CARACTERES CUNEIFORMES AOS E-BOOKS DO SÉCULO XXI, O MAIS SAGRADO PATRIMÓNIO DA HUMANIDADE

Carlos Rodarte Veloso

Para o comemorar, "JOVEM LEITORA", a cópia romana em 
bronze de uma delicada estatueta helenística.


sábado, 21 de abril de 2018




EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR 
2. OS RAIMUNDO DE NORONHA E A SUA HERANÇA
Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 19 de Abril de 2018


"Continuação de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”


Nas imediações do anterior edifício foi construído, em 1540, o Palácio dos Raimundos de Noronha, família nobre que desempenhou importante papel na vida política tomarense entre os séculos XVI e XIX.
Era uma grande edificação que dava para a Rua de Maria Dona, depois Rua da Palmeira — precisamente em homenagem à grande árvore que se erguia no jardim do palácio —, hoje Rua D. Aurora de Macedo…
Deste certamente belo edifício, fica-nos o testemunho das ruínas da casa, “completamente desfigurada”, no dizer de Vieira Guimarães: “A sua grande varanda interior, de ornamentadas colunas e arquitraves, a sua bem lançada escadaria, o seu amplo pátio, que uma fonte enriquecida com seus bebedouros do gado de canga e de tiro […] os celeiros, adegas, cocheiras, estrebarias, etc., tudo mostrava que ali viveu família opulenta de bens e de altas qualidades de espírito estético.”
Demolido em 1918, foi construído, no seu lugar, o edifício da Empresa de Viação Tomarense que, na sua construção, teria aproveitado parte das velhas cantarias. As sucessivas construções modernas, em tijolo e cimento que ocuparam o seu lugar, já nada tinham que ver com o nobre edifício que desde o século XVI ocupava toda a esquina entre as actuais Ruas de Infantaria 15 e D. Aurora de Macedo… 
Contudo, as arquitraves da sua varanda que, segundo Figueiredo e Silva, eram “ornamentadas com frutos, carrancas, flores, etc.”, decoração decerto renascentista, foram reaproveitadas, segundo o mesmo autor, como parapeito do terraço do prédio Nº 3 da Rua de Gil do Avô, prédio hoje igualmente desaparecido, como desaparecidas foram as carrancas, os frutos e as flores!… E não fosse uma belíssima janela renascença de balaústres (Fig.1), hoje integrada na fachada da Casa do Turismo, nada restaria da antiga casa nobre.

(Foto de C. Veloso)

terça-feira, 17 de abril de 2018



COIMBRA, O 17 DE ABRIL E O 

MOVIMENTO ESTUDANTIL DE

1969

Carlos Rodarte Veloso

Publiquei no “Cidade de Tomar”, há exactamente 20 anos, um artigo comemorando o início da chamada Crise Académica de 1969, desencadeada na Universidade de Coimbra no dia 17 de Abril desse ano.
Reproduzo agora esse texto, com as necessárias correcções e actualizações, num momento em que se vai esvaindo da nossa memória colectiva este acontecimento que tantas implicações teve no posterior desenrolar da nossa História.


             Faz hoje 49 anos, iniciou-se em Coimbra um dos mais expressivos movimentos estudantis portugueses de todos os tempos, cuja dinâmica acabou por sacudir as bases do próprio regime marcelista, último estertor do “Estado Novo”, então em fase de pseudo-liberalização.
            Tudo começou com a inauguração de edifício universitário “das Matemáticas”, que contou com a presença de Américo Thomaz, então Presidente da República e de diversas figuras do Governo, nomeadamente o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva. Após o discurso de Thomaz, levantou-se, na assistência, trajando impecável traje académico, o Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, solicitando a palavra, em nome dos estudantes. Visivelmente perturbado, Américo Thomaz titubeou “Sim, mas primeiro fala o senhor Ministro da Educação…”.


            É conveniente explicitar que este episódio se passa pouco tempo depois da reconquista da Associação pelos estudantes de Coimbra, a qual fora, durante anos, gerida por comissões administrativas nomeadas pelo Governo. A nova Direcção, votada pela esmagadora maioria dos estudantes eleitores, tentava, deste modo, reivindicar diversas reformas e, ao mesmo tempo, testar  a boa-vontade do “liberalismo” propalado pelo próprio Marcelo Caetano…
            No entanto, a sessão foi apressadamente encerrada sem dar aso a que Alberto Martins lesse a mensagem da Academia. Perante a saída precipitada das autoridades, a indignação das centenas de estudantes presentes brindou-as com a maior assuada de que há memória contra membros do Governo. É claro que a nova face “liberal” do “Estado Novo” não correspondia aos seus propósitos e tal humilhação não podia ser tolerada… Nessa mesma noite o Presidente da AAC foi preso pela polícia política e, de madrugada, tinha lugar a primeira e violentíssima carga da polícia de choque contra os estudantes que se tinham concentrado em frente do edifício da PIDE-DGS, esperando conhecer a situação do seu Presidente. Eu próprio fui testemunha da prisão de Alberto Martins, participante na concentração de estudantes e quase vitima dessa manifestação da “abertura” do regime.


            O que aconteceu depois, pertence já à História. A greve às aulas, continuada com a greve aos exames que atingiu os mais altos valores de adesão jamais atingidos; as ameaças de José Hermano Saraiva garantindo, na Televisão, que a ordem seria mantida; a solidariedade da população de Coimbra perante as brutais cargas policiais — de que o mesmo senhor negou, depois, a existência! —; a prisão de mais de duzentos estudantes, entre os quais eu me incluo, o corte de bolsas de estudo, a expulsão de casas académicas, as acusações de “comunismo” contra os representantes dos estudantes; a chamada para o serviço militar de muitos dos dirigentes académicos, tudo o que, no fim de contas, sempre caracterizou os fascismos. Eu próprio fui incorporado nas Forças Armadas em 16 de Abril de 1971, perdendo assim o adiamento de que até então beneficiara...
            Ironicamente, ao chamar para as fileiras, como “castigo”, algumas centenas de jovens universitários, quase todos dirigentes estudantis, o Governo deu autêntico “tiro no pé”. A influência destes jovens oficiais milicianos junto dos também jovens oficiais do quadro das Forças Armadas, viria a frutificar na revolta que originou o abortado levantamento do Regimento das Caldas da Rainha, em 16 de Março, e o vitorioso 25 de Abril de 1974!
            É pois mais uma oportunidade para relembrar a quem já quase o esqueceu, e de dar a conhecer às jovens gerações, o papel da Academia de Coimbra no derrube do “Estado Novo”. Inspirado, como todos os movimentos estudantis da época, na revolta estudantil de Maio de 68, o movimento conimbricense de 17 de Abril enfrentou com êxito condições muito mais adversas do que as que os estudantes franceses conheceram e contribuiu poderosamente para a verdadeira revolução cultural que transformou um país patriarcal e retrógrado numa nação do século XX.

sexta-feira, 13 de abril de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR

1. DO PALÁCIO DO DUQUE DE AVEIRO AO EDIFÍCIO DO TURISMO
Carlos Rodarte Veloso
O Templário”, 12 de Abril de 2018


"Continuação de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”



 Apesar das depredações que tem sofrido, o património tomarense conserva um número razoável de edifícios civis renascentistas, mesmo modificados, mesmo degradados… O seu número deve corresponder, afinal, à influência positiva exercida pela obra de mestres conquistados pelo gosto renascentista como é o caso de João de Castilho, João de Ruão, Jorge Afonso, Gregório Lopes, Diogo de Torralva e tantos outros que trabalharam em ou para Tomar, sendo frequentadores da Corte e verdadeiros representantes da vanguarda artística portuguesa. 
 Escola estética mas também necessidade de exibir a fortuna de forma mais elegante, ao gosto de uma Corte requintada e culta, e ainda o desejo, bem renascentista, de afirmação pessoal e a sua mais directa consequência, o individualismo, vão contribuir para uma nova atitude das classes dirigentes perante a vida e o mundo.
 Mais uma vez, vai ser através das suas aberturas, as janelas, que as novas casas nobres vão revelar o gosto dos seus proprietários; com balaústres ou mainéis, de esquina ou com aventais de cantaria esculpida com motivos geométricos, medalhões, delicados relevos, dão uma nota de elegância e requinte e vão prolongar-se no tempo, até ao pleno século XVII, parecendo acompanhar a arquitectura religiosa numa aparente resistência ao Barroco que o Maneirismo português apresenta e a cuja sobriedade e, mesmo, austeridade quase militar, Kubler chamou “estilo chão”. 
 As portas acompanham a tendência das janelas sendo, no entanto, mais raras as que apresentam decoração delicada. De facto, a sua funcionalidade e a maior exposição relativamente ao tráfego urbano e a agentes de desgaste diversos, leva a uma menor duração e isso explica o facto de grande parte das cantarias das portas de edifícios de qualidade terem sido substituídas ou reparadas, raramente correspondendo na totalidade ao original.
 Reiniciemos então esta caminhada pela Vila do século XVI, reencontrando os traços de um passado prestigioso…


 No local onde fora construído, em 1560, o palácio do duque de Aveiro D. Luís de Lencastre, nesse ano exilado em Tomar devido ao seu romance com uma dama de igualmente poderosa estirpe, foram erigidas, sucessivamente, três salas de espectáculo: o Teatro Nabantino construído entre meados do século passado e 1919, o Teatro Paraíso de Tomar da traça do Arquitecto Deolindo Vieira, em 1948 transformado no actual edifício, o Cine-Teatro, segundo risco do Arquitecto Corrody. Do palácio renascentista original restam-nos, identificadas, algumas “pedras” recolhidas pela União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo e reaproveitadas para a Casa do Turismo. 
Este edifício (Fig.1), sede da “Comissão de Iniciatva e Turismo”, foi construído em 1933 com projecto e autoria do Arquitecto José Vilaça, enquadrando-se claramente no revivalismo historicista de gosto Neo-Renascença. No entanto, enquadra numerosos elementos escultóricos, arquitectónicos e azulejares dos séculos XV e XVI, provenientes de diversos edifícios antigos de Tomar e arredores, demolidos nas primeiras décadas do século XX.


A nível arquitectónico, saliento uma janela geminada decorada com um belo medalhão renascentista (Fig.2) — logo acompanhada por uma réplica moderna — instalada no 1º andar da fachada, e um portal renascentista também geminado, (Fig.3), instalada no átrio do piso térreo da mesma casa, sendo ambos os originais provenientes do demolido e já referido palácio dos duques de Aveiro.


Além destes elementos, há a considerar outros, a que oportunamente me referirei: a janela de canto trazida da casa do D. Prior, uma janela de balaústres, também renascentista, que pertencera a uma casa nobre da Rua da Palmeira; uma pedra de cunhal representando um anjo, da mesma proveniência; três gárgulas; um fecho de abóbada representando uma cabeça masculina; um portal proveniente do Paço dos Cubos, também do Palácio Lencastre. Estes elementos encontravam-se na posse da União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo. Outras cópias de elementos da época completam o conjunto.



Fotos de C. Veloso

domingo, 8 de abril de 2018




LULA DA SILVA


LULA DA SILVA pode ter errado - o que não foi provado judicialmente! - mas foi condenado por gente incomensuravelmente desonesta e hipócrita que não suporta os pobres e detesta a sua melhoria de vida.
O "crime" de Lula foi ascender de modesto operário a homem poderoso que até vivia acima das suas expectativas sociais... Isso é que era incómodo para a oligarquia brasileira, mimada desde há séculos com doses absurdas de mordomias e intocável apesar dos seus crimes, que abarcam tudo, desde o roubo descarado dos bens do Estado e a corrupção permanente, pura e dura, ao genocídio de populações e a destruição do ambiente a favor dos seus egoístas interesses de classe.
Mas este ódio desmedido nasceu principalmente de sua acção política, que estava a combater a pobreza com êxito e a dar a palavra e o poder ao Povo, crime dos crimes. Lula é uma grande figura histórica desse Brasil desgraçado. Corruptos e assassinos não têm autoridade moral para o condenar. Espero que o povo que ele defendeu o liberte e corra com a chusma de bandidos que agora desgoverna o país.
Mesmo a manter-se a sua situação, Lula da Silva pode estar preso, mas ninguém apagará o seu papel libertador. Ninguém apagará o seu nome! Ele ficará nos livros de História do Brasil, mas também na História Mundial. Temer, os seus juízes de serviço e todos os outros da sua igualha serão apenas alguns nomes desprezíveis numa longa lista de criminosos cujos próprios nomes acabarão varridos pelos ventos da História! Serão, simplesmente, os Malditos!

sexta-feira, 6 de abril de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS MANUELINOS 

DE TOMAR

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 5 de Abril de 2018

                    "Continua-se hoje a publicação de excertos do meu trabalho “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

               As importantes mutações sociais verificadas no tempo de D. Manuel I teriam que se reflectir sobre a forma de viver e, portanto, sobre as construções.
               Vários edifícios públicos prestavam diversos serviços administrativos e sociais. É o caso dos Paços do Concelho, nascidos de um “assento de casas” mandadas fazer pelo rei, no lugar onde havia umas boticas do Infante D. Henrique. O edifício que chegou aos nossos dias não ostenta já características “manuelinas” pois sofreu uma série de transformações e obras em diferentes épocas, o que explica a sua feição maneirista. A galilé da frontaria e as arcadas das traseiras conferem ao conjunto uma dignidade muito consentânea com as suas funções cívicas.
               Também importante foi a criação da Misericórdia de Tomar, em 1510, com base no Hospital de Santa Maria da Graça, obra, como vimos, do Infante D. Henrique. Verificava-se então, neste caso graças à acção da rainha D. Leonor, uma crescente tomada de consciência dos governantes acerca das responsabilidades sociais do Estado.
               Mas é na casa particular e, muito especificamente, na casa nobre, que o surto económico nascido da expansão marítima, vai ter maior incidência.
               Na verdade, o que é válido para a arquitectura religiosa, em que se multiplicam os melhoramentos nas velhas igrejas, as mais das vezes através do abobadamento das capelas-mores ou colaterais ou da reconstrução dos portais ao gosto manuelino, é-o também para a arquitectura doméstica. Se são raros ainda, na província, os palácios de grande aparato, multiplicam-se os sinais exteriores de riqueza através da decoração de portas e janelas. Vergas recortadas, polilobadas, contracurvadas ou, simplesmente, adornadas com os motivos naturais manuelinos, dão carácter às primeiras fachadas quinhentistas. É tão forte a penetração deste gosto, que estas formas de natureza tardo-gótica se vão manter por mais de um século, apesar do mais erudito surto renascentista e sua consequência, o Maneirismo.



               Na antiga Judiaria, depois Rua Nova e hoje Rua Dr. Joaquim Jacinto, marcadamente burguesa, diversas janelas manuelinas ostentam as suas vergas recortadas. É assim a casa nº 40, com porta bem simples e janela de peitoril no 1º andar, com verga trabalhada e avental (Fig.1). Na mesma rua, a casa nº 63 ostenta, na verga da porta, dois compassos ladeando um círculo, símbolo decerto da profissão do proprietário, talvez um pedreiro.
               Na antiga Levada, hoje Rua Everard, já desapareceu a janela manuelina — e, decerto, a casa a que pertencia… — representada em desenho no Inventário de Matos Sequeira, editado em 1949.
               De uma outra janela de feitura mais elaborada, também manuelina e igualmente proveniente de um prédio da Levada, segundo Vieira Guimarães “ligado aos Cubos da Ordem de Cristo”, e desenhada por Albrecht Haupt, em 1888, nos dá conta o mesmo Vieira Guimarães que, para evitar que ela fosse “enriquecer o palácio do Marquês da Foz, em Torres Novas”, assim “desaparecendo de Thomar”,  a  mandou instalar na sua quinta de Marmelais de Baixo. Depois da sua morte, ruiu a casa da dita quinta e, com ela, a janela, desde 1961 arrecadada, como tantas outras cantarias, no Museu do U.A.M.O.C. (União dos Amigos dos Monumentos da Ordem de Cristo), no Claustro da Lavagem do Convento de Cristo ).
               Outras janelas quinhentistas, quer ao gosto manuelino, quer ao renascentista, muitas delas publicadas já por António Carlos Godinho, se podem admirar, em diversas ruas de Tomar, avulsas ou integradas ainda em boas casas do Centro Histórico. Também os revivalismos neo-manuelino e neo-renascença, prolongados muito para além do seu tempo próprio, ampliam a sugestão de intemporalidade que tantas vezes nos assalta ao percorrer as velhas ruas, não se distinguindo, por vezes, o antigo do “moderno”.


               Exemplo do Neo-Manuelino é a Casa Vieira Guimarães (Fig.2), construída entre 1920 e 1922 defronte da entrada leste da Ponte Velha. A sua torre octogonal parece ser réplica da torre manuelina da Igreja de S. João Baptista, como esta parece ser inspirada na Charola do Convento de Cristo.

Nota: Fotos de C. Veloso

terça-feira, 3 de abril de 2018




REFLEXÃO E PROPOSTA PARA O DIA 1 DE ABRIL DE 2018

E SE, PARA VARIAR, NUM TEMPO EM QUE TODOS OS DIAS SÃO DA MENTIRA, O DIA 1 DE ABRIL PASSASSE A SER O DIA DA VERDADE?

domingo, 1 de abril de 2018



FLUVIÁRIO E MUSEU DO 

MEGALITISMO DE MORA

Carlos Rodarte Veloso

“Correio Transmontano”, 31 de Março de 2018

            Situada no Alto Alentejo, a vila de Mora revela surpreendentes motivos de interesse para além da sua tão alentejana quanto encantadora disposição urbana, as cores e o contraste mediterrâneos entre a terra e o céu, entre o branco das fachadas caiadas e o azul forte das ombreiras, tudo isto preguiçando na ampla paisagem envolvente.
Mora também tem zonas e construções modernas, casando o antigo e tradicional com edifícios de linhas ousadas, como as do Museu Interactivo do Megalitismo e, a poucos quilómetros da Vila, do Fluviário, ambos iniciativa da Câmara Municipal.
O Museu aproveita o edifício da antiga estação da CP desactivada para criar um largo espaço de exposição que combina a museologia tradicional com o uso da tecnologia informática, possuindo igualmente um espaço interactivo dedicado aos mais novos, com jogos destinados a sensibilizá-los para a defesa do património e a compreensão da civilização megalítica que tão importante foi no Alentejo da época neolítica.


Aqui pode admirar-se maquetes pormenorizadas da vida naquela época assim como os artefactos usados por esses nossos longínquos antepassados, tudo complementado com imagens virtuais de grande precisão e muito atractivas, e um espaço de projecção de um pequeno filme didáctico produzido pela instituição. O manequim bem realista de um homem neolítico em actividade é o ícone mais popular desta Museu. O próprio espaço de exposição, moderno pela concepção, revela-se extremamente atraente pela original utilização da madeira e esteticamente irrepreensível.
O Museu é também um poderoso meio de divulgação dos dólmens e menhires e também dois cromeleques e um alinhamento existentes no concelho.
O Fluviário de Mora, integrado no Parque Ecológico do Gameiro banhado pela Ribeira do Raia, está focado na defesa do património natural no que se refere aos ecossistemas de água doce, maioritariamente à fauna piscícola que os povoa. Em algumas dezenas de aquários, podemos visualizar ao vivo cerca de 600 exemplares das 69 espécies que povoam os rios portugueses, da nascente à foz.



Além dos peixes e répteis nativos aqui representados, alguns exóticos, e uma anaconda, a atracção mais popular do Fluviário é um simpático bando de lontras que aqui exibem as suas acrobacias aquáticas, com grande êxito tanto junto de adultos como de crianças.


Neste Alentejo tão habitualmente caracterizado pela secura, Mora, quase vizinha da grande barragem de Montargil, consegue refrescar um pouco a grandiosa paisagem em que está integrada.

Fotos: 1-3 de C. Veloso, 4 www.fluviariomora.pt