EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR
3. A MARCA DE JOÃO DE CASTILHO
Carlos Rodarte Veloso
“O Templário”, 19 de Abril de 2018
"Continuação de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar
na Época da Expansão”
Símbolos
de uma Cidade constantemente agredida no seu património, com especial
incidência da segunda metade do século XIX até aos anos Sessenta do século XX,
aos Palácios do Duque de Aveiro e dos Raimundo de Noronha vêm juntar-se muitas
outras edificações, hoje destruídas ou, no mínimo, totalmente desfiguradas ou
mutiladas, de que falaremos a seguir.
Também
João de Castilho em muito contribuiu
para o embelezamento de Tomar, assim convertida num dos símbolos mais
universais da arte quinhentista em Portugal. Criador de beleza, encontramo-la
repartida pelo País e no Norte de África: da Sé de Braga aos Jerónimos, de Vila
do Conde a Mazagão, para não falar em dezenas de intervenções, sempre de grande
qualidade, em tantas localidades e monumentos, depois de ter iniciado a vida
profissional em Espanha, seu país natal.
A
presença de Castilho em Tomar é sublinhada pela intervenção decisiva no
Convento de Cristo e proximidades, onde exercita a sua extraordinária
capacidade de assimilação de gostos e formas artísticas.
Uma
tal personagem, para mais elevada a mestre das obras régias em 1528, rico e
nobilitado, residente e senhor de várias propriedades em Tomar, logo ganhou no
imaginário popular uma aura que levou a encontrar-lhe o rasto em grandes e
pequenas coisas, por vezes sem qualquer relação directa com a sua pessoa.
O
livro de María Ealo de Sá, com colaboração de Alberto Luna Samperio, “O Arquitecto João de Castilho, ‘O Construtor
do Mundo’ ” (Imprenta Pellon, Santander, 2009) é decerto a obra mais exaustiva
sobre as construções atribuídas ao Mestre ou à sua influência, estando
associado a cinco monumentos considerados pela Unesco como Património da
Humanidade.
Entre
essas pequenas grandes coisas, encontra-se o edifício que foi “desmontado” e
reedificado em 1968 e que, desde o ano seguinte até 1997 foi Biblioteca
Municipal. Segundo a crença popular, não documentada, teria sido aqui a sua
morada (Fig. 1). Esta reedificação
após a “necessária” demolição, mais que discutível, especialmente pelos motivos
invocados — o alinhamento das Ruas Silva Magalhães e Alexandre Herculano — foi,
no entanto, advogada por Amorim Rosa, importante investigador e defensor das
coisas de Tomar, mas por demais benevolente em relação a tudo quanto fosse obra
do “Estado Novo” ou seus apoiantes…
De
qualquer modo, mesmo adulterada, quanto mais não seja no enquadramento urbano,
a bela casa ostenta ainda os seus títulos de nobreza: a bela janela de ângulo
com balaústres (Fig.2), bem ao gosto
da Renascença, acompanhada de outras duas na fachada leste, uma com avental, a
outra avarandada, sendo de destacar, em todas, a elegância das molduras,
balaústres, mísulas e outros elementos decorativos.
Menos
espectaculares mas, mesmo assim, de boa qualidade, podem apreciar-se outros
elementos externos, como a porta e diversas cantarias lavradas do interior,
algumas ainda ao gosto manuelino. Como foi dito, nada documenta a sua ligação
ao Mestre do Convento de Cristo, mas o gosto e a qualidade do que resta não os
envergonharia decerto, sendo possivelmente obra de discípulo seu.
Próximo,
na Travessa de Gil de Avô, houve uns Paços
de João de Castilho, mas do filho primogénito do Mestre, homónimo do pai
que, no dizer de Sousa Viterbo, teria desempenhado importantes cargos
palacianos. Desta desaparecida construção, pouco considerável em termos de
grandeza — como acontecia com a maioria das casas nobres de Tomar — eram
elementos notáveis o jardim e a horta descritos ainda por Vieira Guimarães, que
ainda os pôde ver, “irrigados à moda árabe, pela água de canais manilhados, que
partiam dum grande tanque, alimentado pela respectiva roda do rio”, e a larga escadaria
de pedra que dava acesso à porta “duma elegante e alta cúpula abobadada casa de regalo com amplas janelas, nas outras três faces
[…]” .
De
nada lhe valeram os seus pergaminhos quando, diz o mesmo Vieira Guimarães, “o camartelo da civilização as demoliu para
dar passagem à Avenida [Marquês de Tomar] ” …
Outras
construções quinhentistas de Tomar têm sido reivindicadas para a autoria
“castilhiana” ou, no mínimo, para a sua influência. Não é comprovável a
primeira, mas mais que garantida a segunda, quanto mais não seja pela peso que
nesta Cidade — e em todo o País — sempre tiveram as obras do Convento, tantas
delas da responsabilidade do ilustre “mestre de pedraria”.
(Fotos: C. Veloso)
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