quinta-feira, 26 de abril de 2018



EDIFÍCIOS CIVIS RENASCENTISTAS DE TOMAR

3. A MARCA DE JOÃO DE CASTILHO

Carlos Rodarte Veloso

“O Templário”, 19 de Abril de 2018

"Continuação  de “Urbanismo e Arquitectura Civil de Tomar na Época da Expansão”

               Símbolos de uma Cidade constantemente agredida no seu património, com especial incidência da segunda metade do século XIX até aos anos Sessenta do século XX, aos Palácios do Duque de Aveiro e dos Raimundo de Noronha vêm juntar-se muitas outras edificações, hoje destruídas ou, no mínimo, totalmente desfiguradas ou mutiladas, de que falaremos a seguir.

               Também João de Castilho em muito contribuiu para o embelezamento de Tomar, assim convertida num dos símbolos mais universais da arte quinhentista em Portugal. Criador de beleza, encontramo-la repartida pelo País e no Norte de África: da Sé de Braga aos Jerónimos, de Vila do Conde a Mazagão, para não falar em dezenas de intervenções, sempre de grande qualidade, em tantas localidades e monumentos, depois de ter iniciado a vida profissional em Espanha, seu país natal.
               A presença de Castilho em Tomar é sublinhada pela intervenção decisiva no Convento de Cristo e proximidades, onde exercita a sua extraordinária capacidade de assimilação de gostos e formas artísticas.
            Uma tal personagem, para mais elevada a mestre das obras régias em 1528, rico e nobilitado, residente e senhor de várias propriedades em Tomar, logo ganhou no imaginário popular uma aura que levou a encontrar-lhe o rasto em grandes e pequenas coisas, por vezes sem qualquer relação directa com a sua pessoa.
            O livro de María Ealo de Sá, com colaboração de Alberto Luna Samperio,  “O Arquitecto João de Castilho, ‘O Construtor do Mundo’ ” (Imprenta Pellon, Santander, 2009) é decerto a obra mais exaustiva sobre as construções atribuídas ao Mestre ou à sua influência, estando associado a cinco monumentos considerados pela Unesco como Património da Humanidade.


            Entre essas pequenas grandes coisas, encontra-se o edifício que foi “desmontado” e reedificado em 1968 e que, desde o ano seguinte até 1997 foi Biblioteca Municipal. Segundo a crença popular, não documentada, teria sido aqui a sua morada (Fig. 1). Esta reedificação após a “necessária” demolição, mais que discutível, especialmente pelos motivos invocados — o alinhamento das Ruas Silva Magalhães e Alexandre Herculano — foi, no entanto, advogada por Amorim Rosa, importante investigador e defensor das coisas de Tomar, mas por demais benevolente em relação a tudo quanto fosse obra do “Estado Novo” ou seus apoiantes…


            De qualquer modo, mesmo adulterada, quanto mais não seja no enquadramento urbano, a bela casa ostenta ainda os seus títulos de nobreza: a bela janela de ângulo com balaústres (Fig.2), bem ao gosto da Renascença, acompanhada de outras duas na fachada leste, uma com avental, a outra avarandada, sendo de destacar, em todas, a elegância das molduras, balaústres, mísulas e outros elementos decorativos.
            Menos espectaculares mas, mesmo assim, de boa qualidade, podem apreciar-se outros elementos externos, como a porta e diversas cantarias lavradas do interior, algumas ainda ao gosto manuelino. Como foi dito, nada documenta a sua ligação ao Mestre do Convento de Cristo, mas o gosto e a qualidade do que resta não os envergonharia decerto, sendo possivelmente obra de discípulo seu.
            Próximo, na Travessa de Gil de Avô, houve uns Paços de João de Castilho, mas do filho primogénito do Mestre, homónimo do pai que, no dizer de Sousa Viterbo, teria desempenhado importantes cargos palacianos. Desta desaparecida construção, pouco considerável em termos de grandeza — como acontecia com a maioria das casas nobres de Tomar — eram elementos notáveis o jardim e a horta descritos ainda por Vieira Guimarães, que ainda os pôde ver, “irrigados à moda árabe, pela água de canais manilhados, que partiam dum grande tanque, alimentado pela respectiva roda do rio”, e a larga escadaria de pedra que dava acesso à porta “duma elegante e alta cúpula abobadada casa de regalo  com amplas janelas, nas outras três faces […]” .
            De nada lhe valeram os seus pergaminhos quando, diz o mesmo Vieira Guimarães, “o camartelo da civilização as demoliu para dar passagem à Avenida [Marquês de Tomar] ” …
            Outras construções quinhentistas de Tomar têm sido reivindicadas para a autoria “castilhiana” ou, no mínimo, para a sua influência. Não é comprovável a primeira, mas mais que garantida a segunda, quanto mais não seja pela peso que nesta Cidade — e em todo o País — sempre tiveram as obras do Convento, tantas delas da responsabilidade do ilustre “mestre de pedraria”.

(Fotos: C. Veloso)


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