terça-feira, 17 de abril de 2018



COIMBRA, O 17 DE ABRIL E O 

MOVIMENTO ESTUDANTIL DE

1969

Carlos Rodarte Veloso

Publiquei no “Cidade de Tomar”, há exactamente 20 anos, um artigo comemorando o início da chamada Crise Académica de 1969, desencadeada na Universidade de Coimbra no dia 17 de Abril desse ano.
Reproduzo agora esse texto, com as necessárias correcções e actualizações, num momento em que se vai esvaindo da nossa memória colectiva este acontecimento que tantas implicações teve no posterior desenrolar da nossa História.


             Faz hoje 49 anos, iniciou-se em Coimbra um dos mais expressivos movimentos estudantis portugueses de todos os tempos, cuja dinâmica acabou por sacudir as bases do próprio regime marcelista, último estertor do “Estado Novo”, então em fase de pseudo-liberalização.
            Tudo começou com a inauguração de edifício universitário “das Matemáticas”, que contou com a presença de Américo Thomaz, então Presidente da República e de diversas figuras do Governo, nomeadamente o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva. Após o discurso de Thomaz, levantou-se, na assistência, trajando impecável traje académico, o Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, solicitando a palavra, em nome dos estudantes. Visivelmente perturbado, Américo Thomaz titubeou “Sim, mas primeiro fala o senhor Ministro da Educação…”.


            É conveniente explicitar que este episódio se passa pouco tempo depois da reconquista da Associação pelos estudantes de Coimbra, a qual fora, durante anos, gerida por comissões administrativas nomeadas pelo Governo. A nova Direcção, votada pela esmagadora maioria dos estudantes eleitores, tentava, deste modo, reivindicar diversas reformas e, ao mesmo tempo, testar  a boa-vontade do “liberalismo” propalado pelo próprio Marcelo Caetano…
            No entanto, a sessão foi apressadamente encerrada sem dar aso a que Alberto Martins lesse a mensagem da Academia. Perante a saída precipitada das autoridades, a indignação das centenas de estudantes presentes brindou-as com a maior assuada de que há memória contra membros do Governo. É claro que a nova face “liberal” do “Estado Novo” não correspondia aos seus propósitos e tal humilhação não podia ser tolerada… Nessa mesma noite o Presidente da AAC foi preso pela polícia política e, de madrugada, tinha lugar a primeira e violentíssima carga da polícia de choque contra os estudantes que se tinham concentrado em frente do edifício da PIDE-DGS, esperando conhecer a situação do seu Presidente. Eu próprio fui testemunha da prisão de Alberto Martins, participante na concentração de estudantes e quase vitima dessa manifestação da “abertura” do regime.


            O que aconteceu depois, pertence já à História. A greve às aulas, continuada com a greve aos exames que atingiu os mais altos valores de adesão jamais atingidos; as ameaças de José Hermano Saraiva garantindo, na Televisão, que a ordem seria mantida; a solidariedade da população de Coimbra perante as brutais cargas policiais — de que o mesmo senhor negou, depois, a existência! —; a prisão de mais de duzentos estudantes, entre os quais eu me incluo, o corte de bolsas de estudo, a expulsão de casas académicas, as acusações de “comunismo” contra os representantes dos estudantes; a chamada para o serviço militar de muitos dos dirigentes académicos, tudo o que, no fim de contas, sempre caracterizou os fascismos. Eu próprio fui incorporado nas Forças Armadas em 16 de Abril de 1971, perdendo assim o adiamento de que até então beneficiara...
            Ironicamente, ao chamar para as fileiras, como “castigo”, algumas centenas de jovens universitários, quase todos dirigentes estudantis, o Governo deu autêntico “tiro no pé”. A influência destes jovens oficiais milicianos junto dos também jovens oficiais do quadro das Forças Armadas, viria a frutificar na revolta que originou o abortado levantamento do Regimento das Caldas da Rainha, em 16 de Março, e o vitorioso 25 de Abril de 1974!
            É pois mais uma oportunidade para relembrar a quem já quase o esqueceu, e de dar a conhecer às jovens gerações, o papel da Academia de Coimbra no derrube do “Estado Novo”. Inspirado, como todos os movimentos estudantis da época, na revolta estudantil de Maio de 68, o movimento conimbricense de 17 de Abril enfrentou com êxito condições muito mais adversas do que as que os estudantes franceses conheceram e contribuiu poderosamente para a verdadeira revolução cultural que transformou um país patriarcal e retrógrado numa nação do século XX.

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