COIMBRA, O 17
DE ABRIL E O
MOVIMENTO ESTUDANTIL DE
1969
Publiquei no “Cidade de Tomar”, há exactamente 20 anos, um artigo
comemorando o início da chamada Crise Académica de 1969, desencadeada na
Universidade de Coimbra no dia 17 de Abril desse ano.
Reproduzo agora esse texto, com as necessárias correcções e actualizações,
num momento em que se vai esvaindo da nossa memória colectiva este
acontecimento que tantas implicações teve no posterior desenrolar da nossa
História.
Tudo começou com a inauguração de
edifício universitário “das Matemáticas”, que contou com a presença de Américo
Thomaz, então Presidente da República e de diversas figuras do Governo,
nomeadamente o Ministro da Educação Nacional, José Hermano Saraiva. Após o
discurso de Thomaz, levantou-se, na assistência, trajando impecável traje
académico, o Presidente da Associação Académica, Alberto Martins, solicitando a
palavra, em nome dos estudantes. Visivelmente perturbado, Américo Thomaz
titubeou “Sim, mas primeiro fala o senhor Ministro da Educação…”.
É conveniente explicitar que este
episódio se passa pouco tempo depois da reconquista da Associação pelos
estudantes de Coimbra, a qual fora, durante anos, gerida por comissões
administrativas nomeadas pelo Governo. A nova Direcção, votada pela esmagadora
maioria dos estudantes eleitores, tentava, deste modo, reivindicar diversas
reformas e, ao mesmo tempo, testar a
boa-vontade do “liberalismo” propalado pelo próprio Marcelo Caetano…
No entanto, a sessão foi
apressadamente encerrada sem dar aso a que Alberto Martins lesse a mensagem da
Academia. Perante a saída precipitada das autoridades, a indignação das
centenas de estudantes presentes brindou-as com a maior assuada de que há
memória contra membros do Governo. É claro que a nova face “liberal” do “Estado
Novo” não correspondia aos seus propósitos e tal humilhação não podia ser
tolerada… Nessa mesma noite o Presidente da AAC foi preso pela polícia política
e, de madrugada, tinha lugar a primeira e violentíssima carga da polícia de
choque contra os estudantes que se tinham concentrado em frente do edifício da
PIDE-DGS, esperando conhecer a situação do seu Presidente. Eu próprio fui
testemunha da prisão de Alberto Martins, participante na concentração de
estudantes e quase vitima dessa manifestação da “abertura” do regime.
O que aconteceu depois, pertence já
à História. A greve às aulas, continuada com a greve aos exames que atingiu os
mais altos valores de adesão jamais atingidos; as ameaças de José Hermano
Saraiva garantindo, na Televisão, que a ordem seria mantida; a solidariedade da
população de Coimbra perante as brutais cargas policiais — de que o mesmo
senhor negou, depois, a existência! —; a prisão de mais de duzentos estudantes,
entre os quais eu me incluo, o corte de bolsas de estudo, a expulsão de casas
académicas, as acusações de “comunismo” contra os representantes dos
estudantes; a chamada para o serviço militar de muitos dos dirigentes
académicos, tudo o que, no fim de contas, sempre caracterizou os fascismos. Eu
próprio fui incorporado nas Forças Armadas em 16 de Abril de 1971, perdendo
assim o adiamento de que até então beneficiara...
Ironicamente, ao chamar para as
fileiras, como “castigo”, algumas centenas de jovens universitários, quase
todos dirigentes estudantis, o Governo deu autêntico “tiro no pé”. A influência
destes jovens oficiais milicianos junto dos também jovens oficiais do quadro
das Forças Armadas, viria a frutificar na revolta que originou o abortado
levantamento do Regimento das Caldas da Rainha, em 16 de Março, e o vitorioso
25 de Abril de 1974!
É pois mais uma oportunidade para
relembrar a quem já quase o esqueceu, e de dar a conhecer às jovens gerações, o
papel da Academia de Coimbra no derrube do “Estado Novo”. Inspirado, como todos
os movimentos estudantis da época, na revolta estudantil de Maio de 68, o
movimento conimbricense de 17 de Abril enfrentou com êxito condições muito mais
adversas do que as que os estudantes franceses conheceram e contribuiu
poderosamente para a verdadeira revolução cultural que transformou um país
patriarcal e retrógrado numa nação do século XX.
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